sábado, 14 de fevereiro de 2009

O ATELIER, O TRABALHO, O PRAZER, A PARCERIA, O AMOR PELO BARRO.....................


Carmen e Gleice, mãos na massa todos os dias.
Mãos que moldam o barro, fazem a cerâmica,
e também moldam uma amizade.
Amizade, parceria, carinho, cuidado,
intimidade, delicadeza, confiança,
Grande amizade!

Amigo, Um Ensaio

Difícil querer definir amigo.
Amigo é quem te dá um pedacinho do chão,quando é de terra firme que você precisa,
ou um pedacinho do céu, se é o sonho que te faz falta.
Amigo é mais que ombro amigo, é mão estendida,
mente aberta, coraçao pulsante, costas largas.
É quem tentou e fez, e não tem o egoísmo de não querer compartilhar o que aprendeu.
É aquele que cede e não espera retorno,
porque sabe que o ato de compartilhar um instante qualquer contigo já o realimenta,satisfaz.
É quem já sentiu ou um dia vai sentir o mesmo que você.
É a compreensão para o seu cansaço e a insatisfação para a sua reticência.
É aquele que entende seu desejo de voar, de sumir devagar,
a angústia pela compreensão dos acontecimentos, a sede pelo "por vir".
É ao mesmo tempo espelho que te reflete, e óleo derramado sobre suas aguas agitadas.
É quem fica enfurecido por enxergar seu erro, querer tanto o seu bem e saber que a perfeição é utopia.
É o sol que seca suas lágrimas, é a polpa que adocica ainda mais seu sorriso.
Amigo é aquele que toca na sua ferida numa mesa de chopp,
acompanhasuas vitórias, faz piada amenizando problemas.
É quem tem medo, dor,náusea, cólica, gozo, igualzinho a você.
É quem sabe que viver é ter história pra contar.
É quem sorri pra você sem motivo aparente,
é quem sofre com seu sofrimento, é o padrinho filosófico dos seus filhos.
É o achar daquilo que você nem sabia que buscava.
Amigo é aquele que te lê em cartas esperadas ou não,
pequenos bilhetes em sala de aula, mensagens eletrônicas emocionadas.
É aquele que te ouve ao telefone mesmo quando a ligaçao é caótica,
com o mesmo prazer e atenção que teria se tivesse olhando em seus olhos.
Amigo é multimídia.
Olhos.... amigo é quem fala e ouve com o olhar, o seu e o dele em sintonia telepática.
É aquele que percebe em seus olhos seus desejos,seus disfarces, alegria, medo.
É aquele que aguarda pacientemente e se entusiasma quando vê surgir
aquele tao esperado brilho no seu olhar,
e é quem tem uma palavra sob medida quando estes mesmos olhos
estao amplificando tristeza interior.
É lua nova, é a estrela maisbrilhante,
é luz que se renova a cada instante, com múltiplas e inesperadas cores que cabem todas na sua íris.
Amigo é aquele que te diz "eu te amo" sem qualquer medo de má interpretação:
amigo é quem te ama "e ponto".
É verdade e razão, sonho e sentimento.
Amigo é pra sempre, mesmo que o sempre não exista.
(Marcelo Batalha)




















































































Dedico a quem como eu, acredita que cavalos podem voar,
que oceanos podem se transformar em pequenos rios,
que a vida é construída dia a dia,
e que o amor é imprescindível!


O seu cavalo pode voar...



Um poderoso rei condenou um humilde súdito à morte.
O homem, prestes a ser executado, propôs e teve a concordância do rei,
permiti-lo ensinar o cavalo real a voar.
Caso não conseguisse, no prazo de um ano, então sua sentença seria cumprida.
Por que adiar o inevitável? Perguntou-lhe um amigo.

Não é inevitável, ele respondeu: as chances são quatro a um a meu favor.
Dentro de um ano: o rei pode perder o trono;
eu posso fugir;
o cavalo pode fugir
e eu posso ensinar o cavalo a voar.

Mesmo que tudo indique o contrário, creia: o seu cavalo pode voar!



















O PRIMEIRO ENCONTRO
Affonso Romano de Sant'Anna (poeta mineiro)
Iam se encontrar como se fossem a um campo de tulipas.
Iam se encontrar como o equilibrista em cima de um fio,
longe do chão, sem rede de amparo.
Iam se encontrar como um navegante, um desbravador,
chegando a um continente desconhecido e desejado.
Então, já que iam se encontrar começaram a se preparar
como só se preparam as ondas quando à areia vão chegar.
Puseram-se a pré-sentir o momento do encontro,
intensificando os sinais trocados como o piloto emite sinais de aproximação atento ao radar.
Este não era um encontro qualquer, senão o primeiro.
E o primeiro encontro, eu lhes digo, exige arte maior.
Por isto, sendo adultos, pareciam ter dezesseis anos,
ou qualquer idade em que o primeiro encontro se dá.
Imaginem um ansioso casal de namorados que a cada ponto da estrada,
a cada quilometro que cada um avançasse na direção um do outro,
parasse para telefonar, mandar telegrama, ou qualquer tipo de aceno eletronico ou primitivo,
acenos ou sinais que indicassem veja, avancei tantos metros-e-quilômetros,
estou mais próximo, em breve vou te tocar.
Sabe aqueles casais que quando se separam ao viajar largam pelas gavetas do outro,
em meio às roupas do outro, nos seus cadernos e agendas uma porção de recados amorosos,
para que a parte que ficou povoe de ternas lembranças a ausência deixada?
Pois os que vão ao primeiro encontro também querem pavimentar o caminho do encontrar.
E nisto às vezes aplicam tal esmero,
que até parece que estão mais interessados no pré-encontro que no encontrar.
Eles têm algo secreto que ninguém vai detectar.
Na verdade, se parecem a essas galáxias que avançam a trezentos mil quilometros por segundo ao nosso encontro, e nem por isto são notadas pelos simples mortais.
Eles dialogam com o invisível e com o imponderável.
Com a alma silvestre, colhem flores inexistentes no asfalto e veêm ternura na rispidez dos edifícios.
Não pisam o chão dos demais.
Na verdade, caminhavam já noutra dimensão.
A carga do primeiro encontro, eu lhes digo, às vezes é quase insuportável.
Só quem tem asas de anjo pode transportá-la.
Aqueles que estão indo para o primeiro encontro tomam tenso e milimétrico cuidado.
Continuam colhendo tulipas, estudando a carta de marear e equilibrando-se no abismo.
Mas sabem que o primeiro descuido pode desvia-los do que seria a colheita das primícias.
O desejavel é que o primeiro encontro fluísse com a naturalidade que só tem aqueles que já se encontraram cem vezes.
Mas para se encontrarem cem vezes, eles sabem, é necessário transpor, construir esse primeiro e incontornável encontro.
O poeta dizia que a vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros.
Pois há também a sutil arte do primeiro encontro.
E o primeiro encontro é tão complexo e interminável,
que devemos admitir que ele pode se dar do décimo quinto encontroou trinta anos depois.
Podem , estranhamente, os desencontros anteriores terem sido o esboço do autêntico encontro,
que quando ocorre é ineludível.
O ideal é que todo encontro fosse o primeiro encontro.
E que se parecesse àquela coisa dos andróginos,
aquelas duas partes de um ser que andaram se buscando exiladas por aí,
até que um dia se abraçaram, se fundiram para nunca mais.
Quando uma pessoa parte para o primeiro encontro em vão vai se indagando:
"Que presente te dar?".
Todos os presentes parecem precários, fugazes, imcompletos.
Porque é imensurável o que cada um quer receber e o quanto se quer dar.


E já disse Pablo Neruda:
"E aquela vez foi como nunca e sempre: vamos ali onde não espera nada e achamos tudo o que está esperando".


AO ABRAÇO!


Se tu viesses ver-me... (Florbela Espanca)


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Vôo impossível

Estavam conversando dois homens. Um estava muito triste por não conseguir atingir seus objetivos e irritava-se com o outro que insistia em lhe dizer que nada era impossível de se conseguir.

Num momento, o homem triste resolveu encerrar aquela discussão, dando argumentos completamente irrefutáveis.
Disse ele:
Tudo bem, nada é impossível? Então me diga, por acaso existe a possibilidade de, por exemplo, um homem levantar vôo?
Claro que existe, para que existem os aviões? - respondeu serenamente o amigo.

O outro riu sarcasticamente e disse:
Tá, mas aí vai precisar da ajuda dos motores. E sem a ajuda dos motores?

A resposta veio imediata:Asa delta.
Um tanto nervoso, o homem triste insistiu:
Mas aí você está precisando de asas e de um lugar alto.

E se eu não puder fazer nada disso?
A resposta veio mais rapidamente do que antes:Balão de ar quente.
Já vermelho de raiva, o homem bateu na mesa e disse:
Mas supondo que eu não tenha um balão, nem asa delta, nem avião, nem nada.

Sair voando por si próprio, é possível, heim?
O outro homem pensou por uns dois segundos e disse:
Bom, numa zona de gravidade baixa, pode-se praticamente voar.

Ou num túnel de vento, ou com uma roupa magnética contra uma plataforma magnética de mesma polaridade.
O homem triste se enfureceu, levantou-se, bateu na mesa e disse:
Mas e se eu não tiver nada, nada disso?
O outro pensou, pensou, pensou por um longo tempo e respondeu, com a mão no ombro de seu amigo:
Pelo que vejo, seu objetivo não é voar.

É arranjar todo o tipo de obstáculos e desculpas possíveis para que não se consiga levantar vôo...



" Certamente todas as distâncias poderão ser encurtadas, sempre, pois o que move o homem é o seu desejo".





sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

"ALUNOS QUERIDOS", sem eles nada seria como é..............nem eu tão pouco!

































































































Mandei uma mensagem de feliz natal 2008 para meus queridos alunos,
e tive muita vontade de reproduzí-la aqui, pois enviei junto um texto de uma colega ceramista,
que achei maravilhoso.

Queridos Amigos e Alunos Amigos,

Todos os anos quando estamos perto do final do ano, ponho-me a refletir
sobre o que gostaria de dizer para aqueles que estiveram tão próximos a mim
e com os quais tenho compartilhado grande parte da minha vida.
Penso que por serem pessoas tão especiais e com as quais aprendo dia após dia,
merecem que lhes deseje o melhor possível.
Li um texto extremamente simples, porém muito profundo,
e que concluí ser parte do que gostaria de dizer para todos,
principalmente aos meus amigos alunos, pois fala de uma rotina do qual fazemos parte,
mesmo que as vezes nem atentemos para isso.
A autora, ceramista também por paixão, fala do encontro consigo mesmo (con uno mismo),
sem o qual a nossa vida não tem sentido, um encontro que nos permite sermos éticos
e verdadeiros consigo próprios, possibilitando-nos exercer a verdadeira liberdade.
Quem se debruça sobre a própria história tem mais recursos para viver.
Feliz Natal e que 2009 traga-nos a capacidade de reinventar a ternura, o amor, e a possibilidade da descoberta, da supresa, do novo, pois é através deles que nos renovamos sempre.
Um grande abraço,
Carmen Bastos/ Atelier Terra e Cor
www.atelierterraecor.com


"Modelando un hombre nuevo"

En la actualidad no hay lugar para un instante de reflexión interna.
Pareciera que los tiempos acelerados y las corridas urbanas dificultan el encuentro con Uno Mismo.
El trabajo con las manos es lo más parecido a ese Encuentro.
Al modelar se puede vivenciar "el tiempo del no-tiempo",
en donde el artista se sumerge en un mar de formas, colores, texturas,
la mente se aquieta de pensamientos...
y ahí es donde aparece: La creación en el silencio.
En el encuentro creativo, el silencio, nos muestra imágenes propias,
ellas son las que nos rescatan y revalorizan como seres humanos.
La arcilla nos permite entender que todo tiene un tiempo, que aunque nuestro pensamiento vaya más rápido que la pieza a la que estamos dando vida, no lograremos nada.
El agua, el aire, el sol, el fuego, todo tiene su tiempo,
cualquier cosa que intente acelerarlo, hará que el proceso se quiebre,
y nada llegue a buen término.
Este material tan simple, nos enseña como hombres
a entender los tiempos de> la naturaleza, sabios tiempos...
En el taller trabajamos en armonía con este ritmo natural generando un espacio a la reflexión y a la creatividad, que es hoy por hoy la única respuesta a este vacío generalizado.
Hay que dar lugar a la expresión, y al entendimiento de que todo está a nuestro alcance.
La arcilla, el agua, el horno, todo puede ser hecho por nuestras manos sin necesitar de algún sistema .
Al construir nos reconstruimos como hombres.
Esta es a propuesta para los tiempos actuales, modelar un hombre nuevo,
que se autosustente, y se reconstruya junto a su arte.
Un viejo lema inca dice: "ancha sumaj puku, Pachaman allin ñan"
Una hermosa vasija es el mejor camino hacia Pacha"
María Laura Galeotti

Faço cerâmica por amor, pois minha vida toda sempre foi movida pelo amor, pelo prazer e pelo desejo de renovar e redescobrir sempre.
A cerâmica em toda sua extensão nos permite isso,
pois através delas reinventamos emoções, sempre.



"O trabalho do torno me produz um encantamento e fascínio impossíveis de descrição".
Ao ler esse texto de Mauro Santayana senti que minha homenagem estava feita e o meu coração enternecido..."

AS RAZÕES DO OLEIRO/ Mauro Santayana (Folha de São Paulo, 30 de setembro de 1982)

A fama do oleiro corria por todo o Jequitinhonha e seus afluentes. Os potes de sua queima tiniam como se fossem de bronze, e neles a garapa esfriava de doer os dentes. De panelas e moringas, pouco dizer: disputavam-se nas feiras em leilão. Em Virgem da Lapa vi um fazendeiro dar 250 mil réis, do tempo do câmbio a 18, por uma moringuinha sapeca, cheia de flores de gravatá, de pintura difícil. No Rio do Prado, fazendeiro forte e de muita letra, José Amâncio me mostrou, entre cristais de Murano e louças de Limoges, a coleção de peças do velho oleiro, entre elas uma rara, de encomenda: jarra em forma de anjo, com a língua pra fora, onde meu hospedeiro guardava seus ingredientes de ânimo: raízes de catuaba, de mamoninha-mansa e fava-roxa; glândulas secas de mocó-das-pedras (tiro e queda, segundo entendidos). Dizia José Amâncio que, dentro da vasilha, os recursos ganhavam mais força. "Prá dizer a verdade, é só olhar pra esse anjo safado, para arranjar disposição. O remédio já vem quente lá de dentro."
Com tanta fama e justo valor, andei anos na idéia de conhecer o homem, identificado na região como Medinho-Barrista. Mas não era fácil: Arquimedes Tomás de Braga Velho não cultivava as glórias deste mundo, e detestava qualquer raça de admiradores. "Ele não dá intimidade pra qualquer um"- me advertira José Murta, dito Zé Filó, que, quando menino, o conhecera já de cabelos brancos. "É melhor você chegar lá de desentendido. Faz de conta que está campeando outra coisa, que é vendedor de bíblia ou comprador de mel. Uma bestagem qualquer, pra não dar na vista".
José Murta me deixou na encruzilhada entre Turmalina e Veredinha; daí tive que me arrumar com uma besta tão lerda e incompetente que merecia ser azêmola, alugada a cinco mil réis por dia, incluindo sela completa, mas de um estribo só, o do pé esquerdo, pra facilitar a montada; e, fora as esporas, que me custaram mais 400 réis por jornada.
Medinho descobriu logo que eu vinha com impostura, mas arriou o facho quando eu lhe dei notícias do que trazia no alforge: cachaça de Itacambira, de cana rosa, destilada em alambique de barro, na fazenda de Sebastião Lage. "Conheço o alambique. Fui eu que fiz.". Entrei na sua oficina de oleiro, bem na barranca do Rio Fanado, junto ao alvo barreiro de se servia. Um burro meditava enquanto circulava em volta do cilindro, amassando e amolecendo a argila. Quando deparou com a besta de aluguel, parou um pouco e os dois se olharam resignados.
Medinho mandou que arrumassem cama para estada de dois dias, e me disse que eu tinha mãos boas para mexer o barro. Pena que, na minha idade, não dava para apanhar jeito.
- Este ofício é bom - resumiu, servindo-me a cachaça em tigelinha faceira - porque, na verdade foi Deus que inventou. Só que Deus teve má sorte: em vez de coisas, fez gente.
Observei-lhe que, sem gente, para que as coisas? Medinho disse que Deus podia ter feito coisas para admirá-las, em lugar de modelar o homem, que deu no que deu.
- Você sabe que, na verdade, o que o oleiro faz é cobrir o vento, o nada, porque uma peça de barro é isso: uma separação no vazio. Eu quando estou trabalhando, não penso no vaso, na vasilha: penso no espaço que eu estou tapando. Não foi o que Deus fez? O que ele fez foi isso, mudar a forma do vazio. Ou não foi mesmo? Aí eu não penso no barro, mas como vai ficar o canto do lugar que eu vou cobrir.
Medinho me mostrou, depois, a sua coleção particular.
- Comecei no ofício aos 15 anos. Daqui a um mês faço 60. Tenho aí umas 16 mil peças, porque na Semana Santa não trabalho. Todos os dias fiz uma peça diferente, só para mim, para guardar dentro dela, o ar de cada manhã. Nunca vendo o que faço com minhas mãos descansadas da noite. Deixo para meu proveito. Depois é a vez dos outros.
Tenho algumas peças de Medinho. Mas não estão à venda.
Esta crônica capturou-me,
Traduzia também a mim, certamente.
Quisera eu tê-la escrito,
Em algum momento talvez.............
Ou a escreví, hoje quem sabe?




O Rui escreve especialmente com a alma, de artista, de poeta,
Mas com toda a alma!




Exibicionistas. Tarados.

Repara naqueles dois a tomar o pequeno-almoço. Exibicionistas. Tarados.
Domingo de manhã, agarradinhos. O que tem isso de tão especial?
Exibicionistas. Vamos junto deles.
A estratégia passa por chamar nomes feios, e de esguelha, cuspir naquelas bestas.
Tu chamas-lhes egoístas. Sabes fazer isso melhor que ninguém. Vão sentir. Juro.
Vamos lá.Exibicionistas. Tarados.
Que não se beijem antes de lá chegarmos.
Só devemos ter direito ao pão possível.
Isto de se insuflarem às nossas custas não se faz.
Tarados. Exibicionistas.E estão a ler a Bíblia. A olharem para nós?
Aposto que estão naquela parte que acusa «A água roubada é mais doce, o pão escondido é mais saboroso». Estão a meter-se connosco. Não nos atingem, pois não amorzinho?
Logo agora que lhes aparece o sol que aqui não chega
e era agora que os pervertidos tinham de começar a barrar as torradinhas com Amor.
O que farão ao jantar? Embebedam-se de paixão, não? Tarados.
Aquilo é só pão integral. Pois, completos mesmo. Tarados.
Refugiam-se um no outro? Estes não se safam. Cegos. Estão em contratempo e ainda não o sabem.
Que chuva os castigará. Com os truques destes gajos, posso eu bem. Tarados.
São estes animais que me assombram. Exibicionistas.
Por mim, nascia de novo, até passava pela adolescência desproporcionada,
só para ter momentos como os desses filhos-da-puta.
Ficámos com os nossos poetas que não nos acodem sempre.
Vamos para casa prolongar a nossa angústia.Exibicionistas. Tarados. Narcisistas.
E o nosso pequeno-almoço, frio.
Rui Moutinho






CERÂMICA
Eis que chega......
Como se estivesse ali, desde e sempre..........
Ela é a frustração, o sucesso, a entrega, a paciência, a dúvida, a traição, o gozo, a incerteza,
a criatividade, a calma, a raiva, a alegria, o controle e muitas vezes a obsessão!
Ela é a vida!
É um processo lento, mas apaixonante, que nos leva a caminhos nunca antes percorridos,
Mas certamente belos e sedutores!


Não me digas nada,
vejo que me entendes,
mas tenho receio dessa compreensão,
tenho medo de encontrar alguém semelhante a mim
e ao mesmo tempo desejo-o.
Sinto-me tão definitivamente só,
mas tenho tanto medo que o isolamento seja violado
e eu não seja mais o cérebro e a lei do meu universo.
Sinto-me no grande terror do meu entendimento,
meio por que penetras no meu mundo;
e que, sem véus, tenha então que partilhar o meu reino.

Anaïs Nin, do livro A Casa do Incesto



































Erikson preconizava para o envelhecer duas saídas: desespero ou sabedoria. (prefiro essa)
Talvez a sabedoria seja exatamente o poder ser louco, o poder ser livre.
Chegar à velhice se emancipando de tudo o que passe por limitação ao seu estar na vida ,
coerente com seu interior.
E a vida só vale a pena reinventada, sempre!


"Doidas e santas" Martha Medeiros

"Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa."
São versos de Adélia Prado, retirados do poema "A serenata".
Ele narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão
– não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude.
E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?"

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz.
Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade,
depois de já ter trilhado uma longa estrada, onde encontrou alegrias e desilusões,
e tendo ainda mais estrada pela frente?
Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões
– e a gente sabe como as desilusões devastam - , terá que ser meio doida.
Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção.
Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa.
Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa.
Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou.
Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade.
Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres.
Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa, mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós,
não é uma doideira o modo como ela engravidou?
(Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser.
A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que,
sem amor, a vida não vale a pena ser vivida,
e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar the big one,
aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos
e não nos deixará na mão jamais.
Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Mas além disso temos que ser independentes, bonitas,
ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas,
responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto
e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp,
ou então virar louca e cafetina, ou sei lá,
diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca.
Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.
Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham.
Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora.
E santa, fica combinado, não existe.
Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada?
Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.



A SERENATA


Uma noite de lua pálida e gerânios ele viria com boca e mãos incríveis tocar flauta no jardim.


Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa.


Eu que rejeito e exprobro o que não for natural como sangue e veias descubro que estou chorando todo dia, os cabelos entristecidos, a pele assaltada de indecisão.


Quando ele vier, porque é certo que vem, de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?


A lua, os gerânios e ele serão os mesmos — só a mulher entre as coisas envelhece.


De que modo vou abrir a janela, se não for doida?


Como a fecharei, se não for santa?


Adélia Prado /escritora, poestisa, tem 73 anos, e é uma mulher incrível!






quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009





















Sobre o amor...

"Amar é mudar a alma de casa." (Mário Quintana)

" O que sentimos, não o que é sentido, é o que temos.
Claro, o inverno estreita.
Como à sorte o acolhamos.
Haja inverno na terra, não na mente,
e amor a amor, ou livro a livro,
amemos nossa lareira breve." (Ricardo Reis)
"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido até a última gota.
Sem nenhum medo. Não mata." (Clarice Lispector)

" Que o amor seja o único tema de nossos corações" (Goethe)
"Existem muitos motivos para não amar uma pessoa, mas apenas um para amá-la"
(Carlos Drummond de Andrade)
"A ausência diminui as pequenas paixões e aumenta as grandes,
da mesma forma que o vento apaga a vela
e atiça a fogueira" (François de la Rochefoucault)
"As paixões são como o vento inflando as velas dos barcos.
Podem até fazê-los naufragarem, mas se não fosse ele,
não haveriam passeios, aventuras e descobertas" (Voltaire)
"Se as paixões e os sonhos não pudessem criar novos tempos, a vida seria um engano" (Legrand)
"Pior do que a ausência do amor, é a lembrança do amor" (Lygia Fagundes Telles)
"Ah! Não me fales nada: antes me fala de tal maneira,
que, se eu fora surdo, te ouvisse todo como coração" (F. Pessoa)
"A idade não protege contra o amor. Mas, o amor, em certa medida, protege contra a idade" (Jeanne Moreau

"Tudo o que eu vi,estou a partilhar contigoo que não vivi, hei de inventar contigo"

"O amor é uma das raras formas de se encontrar a melhor parte das próprias verdades". Artur da Távola

"O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar".
(Carlos Drummond de Andrade)
"Haverá algo mais belo do que ter alguém
com quem possa falar de todas as suas coisas
como se falasse consigo mesmo?- Cícero
"Um dia eu estava dando a cada estrela uma razão para te amar..........faltara-me estrelas!"


O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa, a lança que desfolhas, a água que de súbito brota da tua alegria, a repentina onda de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e abre-me todas as portas da vida.

Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua, ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,teu riso deve erguer sua cascata de espuma,e na primavera, amor,quero teu riso comoa flor que esperava,a flor azul, a rosada minha pátria sonora.

Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha, ri-te deste grosseiro rapaz que te ama, mas quando abro os olhos e os fecho, quando meus passos vão, quando voltam meus passos, nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso, porque então morreria.

Pablo Neruda

Chegando a Salvador............

Tantas vezes faltam palavra, tantas, tantas......

E por falta de palavras emudeço, calo.

Tantas vezes tenho-as em demasia,

E na solidão não as tenho a quem dizer..............

Calo-me! carmen bastos

DEFINIÇÕES.....
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Preocupação é uma cola que não deixa o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Ansiedade é quando sempre faltam muitos minutos para o que quer que seja.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente mas, geralmente, não podia.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Paixão é quando apesar da palavra ¨perigo¨ o desejo chega e entra.

Mario Prata /escritor, drmaturgo brasileiro
HOMENAGEM AO CINEMA





O que falar mais?
Vê-lo quem não o viu, revê-lo quem já o viu e não conseguiu esquecer a sua beleza, sensibilidade e a força do amor, pois só ele realmente nos completa.

A Rui, que como eu, tem essa obra prima do cinema na memória.

'As Pontes de Madison'
O que um cowboy sabe sobre o amor? Mais do que eu, você, e qualquer apaixonado pudéssemos imaginar.
De natureza simples, As Pontes de Madison desenha um romance absolutamente perfeito em sua imperfeição. O roteiro brinca com os minutos, arrastando as cenas, como se quatro dias pudessem ser mais importantes que uma vida inteira. E podem. E são. Pouco menos de 100 horas que valem uma eternidade, ou duas. Em As Pontes de Madison, Clint Eastwood é Robert Kincaid, um fotógrafo da National Geografic que está no Iowa para fotografar antigas pontes cobertas, famosas na região, para uma reportagem da revista. Meryl Streep é Francesca Johnson, uma dona de casa que trocou a Itália pelo sonho de viver na América. Casou-se com um soldado, e anos depois se vê criando os dois filhos do casal na paisagem bucólica de uma fazenda em que pouca coisa acontece, e vive-se a vida porque se acorda todo o dia, e não porque se têm sonhos.
Perdido, o fotógrafo pede informações na fazenda dos Johnsons, mas a família foi para uma feira agropecuária, e apenas Francesca está em casa. O que acontece após este esbarrão do destino é aquilo que a astrologia resume como "efeito urano": é quando uma pessoa faz uma "burrada" tão grande que detona a sua própria vida e a de outras pessoas. Bem, quase faz, e é neste fragmento do "quase" que reside a beleza deste filme.
Nossos dois personagens desse épico romântico moderno passam quatro dias juntos, se apaixonam, descobrem uma certeza que só se tem uma vez na vida, e são obrigados a escolher entre ficar ou fugir. A encruzilhada abre diversas possibilidades e questionamentos. O amor, tal qual o conhecemos, sobrevive a rotina? É possível ser feliz após ter detonado a vida de uma porção de pessoas para alcançar essa felicidade? O passado pode ser esquecido como se queimássemos uma folha de papel e jogássemos as cinzas pela janela? É possível amar e não estar com a pessoa amada? Essa história de alma gêmea é uma brincadeira divina (o homem lá de cima deve ser um cara extremamente divertido) ou podemos, num momento x de nossas vidas, encontrar uma pessoa que nos faça acreditar que caminhamos uma vida toda para chegar a este encontro? Enquanto você matuta respostas, Robert e Francesca são condenados a viver o amor em silêncio. E não existe amor mais forte que este, pois "o amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente", e como carregar por toda uma vida um amor que só durou quatro dias? Amando. É cruel e inconcebível pensar assim, mas apenas quem ama verdadeiramente pode entender que após encontrar a pessoa amada, o mundo ganha um novo significado, e a vida se transforma em uma estrada de mão única cuja última e única parada é chamada apropriadamente de fim. O amor justifica a vida. Melhor sofrer por amor que viver sem amar, diria o poetinha. Por mais vileza que seja amar em silêncio, não há como fugir desse destino. Porque só amando é que vamos correr o risco de sermos amados e, nesse fragmento de sorte, sermos eternamente felizes. No entanto, não se entra em uma história de amor para se ser infeliz, mas a infelicidade está incluída implicitamente na hora que compramos o pacote. Dói, eu sei, mas é só assim que você poderá ter a chance de guardar quatro dias inesquecíveis para se lembrar para o resto da vida. Pode parecer pouco, mas não é... acredite.Clint Eastwood abusa do direito de ser comovente em uma cena clássica: na chuva, Robert pára no meio da rua enquanto o marido de Francesca, que voltou com os filhos, faz compras. A cena se arrasta e Francesca segura a maçaneta da porta do carro com tanta força que deve ter sentido o objeto atravessar seu coração. Ela quer deixar o carro. Ela quer correr na chuva para o seu amado. Ela quer deixar a fazenda para trás, seus filhos, uma vida sem sonhos, mas a razão está ali despejando um mundo de motivos para que ela deixe o amor virar a esquina e partir para sempre, para longe de seus olhos, longe de seu corpo, mas não longe da alma. Ela se desespera, chora, e volta a viver porque viver é preciso, afinal, acordamos todos os dias a espera do fim. E com o fim, a crença no reencontro. Injusto? Não. O amor não tem nada a ver com justiça. O amor é maior que a vida. E talvez você entenda isso melhor quando tiver aquela certeza que nós só teremos uma vez na vida. Quando isso acontecer, tudo fará sentido. E amar em silêncio não será tão inconcebível. Porque enquanto o corpo sente falta do toque, a alma está totalmente completa. E, sabemos, um dia todos vamos ser apenas poeira no chão. Ou nos arredores de um ponte. As Pontes de Madison é uma adaptação do famoso romance The Bridges of Madison County, de Robert James Waller, que supostamente é baseado em uma história real. Mais do que surpreender o espectador, que talvez nunca esperasse uma história de amor contada com tanta soberba e maestria por um dos heróis da classe western, As Pontes de Madison encanta por retratar o amor na idade adulta, quando pouco de nós espera alguma coisa a mais da vida, quando nossos sonhos de adolescência foram esquecidos, e a lembrança de que um dia sonhamos é algo que nos faz analisar e questionar toda uma existência. Quase ao final do filme, quando Francesca pede aos filhos que aceitem seu último desejo, dizendo que deu sua vida à família, e quer deixar para Robert o que restou dela, é impossível não entregar os pontos, as lágrimas, o coração e a alma para Clint Eastwood. Ele conseguiu algo que poucos conseguem: retratar o amor sem ser piegas ou cínico ou vingativo. E com isso, conseguiu filmar uma pequena obra-prima, mais uma de seu excelente currículo como cineasta, um filme que você precisa ver. Texto escrito a pedido e dedicado à Lívia Casarès Bergman. Por Marcelo Costa.

Romance
A paisagem é lindamente bucólica. Um lugar especial, longe de tudo e de todos. Tão familiar ao coração de tanta gente. Não, não é um caminho apenas, nem um refúgio fenomenal. É uma velha e desgastada ponte. Daquelas feitas para durar, para oferecer uma travessia segura e completar um trajeto interrompido. E ligar, unindo duas margens opostas, dois pólos tão diferentes.Por essa construção tão comum, veio o encontro. Foi ali que ela viu que seu caminho também era misterioso. Talvez tanto quanto aquele estranho de olhar arguto e intrigante. Ele tinha um ar romântico, de quem atravessou por diversas outras pontes. Por isso olhava aquela com reverência e carinho. Um carinho que não mais existia na vida dela. Uma vida rotineira e tranqüila, simples como aquela ponte.Ela, mulher vinda de longe, há muito tempo havia construído uma vida ali. Dona de casa, esposa dedicada e mãe extremosa, já conformada com os rumos que tinha tomado para si. Mas mesmo assim, impressionada pela natureza cosmopolita daquele homem, que a fazia sentir-se viva de novo. Ela, que achava conhecer todos os aspectos de sua própria vida, agora viu que havia uma outra margem, inexplorada, envolta em fascinação.Ele, homem de muitos costumes. Viajado, vivido, de mente aberta e coração experiente, acostumado à condição de solitário cidadão do mundo. Porém atraído por um semblante tão amistoso que aquela mulher revelava timidamente, deixando-o contente por encontrar eco para suas ponderações. Ele, que conhecia os arredores do mundo, percebeu que nada conhecia sobre si mesmo, pois ainda não havia estado naquele lado da sua vida.Seus caminhos se cruzaram por 4 dias, unindo os dois em uma trajetória em comum, despertando curiosidades e interesses afins. Criando, entre eles, laços fortes e profundos, servindo de ponte para algo belo e há muito postergado. Para ela, que sempre viveu em função da família, anulando seus sonhos, guardando-os numa caixinha dentro de si. Para ele, que nunca teve raízes que o fizessem permanecer muito tempo num só local, fazendo do mundo a sua concha.Em um mundo que prima por seus contrastes, seus altos e baixos, por alguns dias deixou de ter fronteiras, atenuando todos os obstáculos que muitas vezes eles se impuseram para poder viver. Nem sempre a vida é simples e direta como deveria. Muitas vezes, ela separa quem deseja ficar junto, criando tolas desculpas para as circunstâncias que acabam por afastar aqueles sonhos, acalentados como os mais preciosos. Mesmo num mundo assim, eles encontraram uma ponte.E nessa ponte, atravessou em seu caminho a felicidade plena. Aquela tão rara que dificilmente ainda se nota nos dias de hoje. Era a chance de realização da mulher, que há muito deixou de esperar surpresas vindas de seu coração. Foi um novo começo com alguém equivalente, em vários aspectos, como uma alma gêmea para ele. Algo tão forte que os transformou, de adultos já no ocaso de suas vidas, em crianças aprendendo ainda as artes do amor.Marca indelével nos corações espalhados pelo mundo, o amor genuíno e mais puro desenvolve afinidades entre duas pessoas, não importando suas diferenças culturais, suas ambições pessoais e suas crenças em qualquer coisa que seja. Tais afinidades se juntam, confluindo numa única estrada, que não aceita interrupções geográficas, nem distâncias abismais. Pois há uma sólida ponte para levá-las até onde se deve chegar - no lado esquerdo do peito.Porém essa não é uma história de final feliz. Uma ponte nunca foi um lugar de chegada, nem referência para saída alguma. É apenas um meio. Uma forma de se prosseguir a vida com mais facilidade. Ela é passageira, como todas as coisas neste mundo que vai e que vem. E onde até os sentimentos mais doces têm o seu fim. Muitos finais são dolorosamente melancólicos, mas nem todos podem ser memoráveis. Os que podem, ficam retidos na lembrança como parte de um acontecimento tão importante, quanto uma ponte é para um caminho que, antes dela existir, jamais poderia ser percorrido.Um caminho que seguiria em rumos que só eles dois saberiam se valeria à pena. E essa ponte, apesar de breve, de ser um atalho para reaver todos aqueles anos perdidos nas conveniências e moralismos da vida cotidiana, exige uma escolha de todos. Ao cruzá-la, atravessando aquele limite que a própria natureza interpôs entre as pessoas, é necessário admitir pagar um certo preço. Um preço que pode advir de arrependimentos e corações quebrados. Um caminho tortuoso, que muitos não podem seguir, mesmo que isso represente esquecer os desígnios mais caros ao coração.E o coração de uma mulher é um caminho de muitas curvas e desígnios magnânimos. Guarda lembranças tão sublimes e intensas quanto dolorosas. E mesmo partido, alquebrado pelas vicissitudes de sua vida, ainda assim sempre espera pela ponte que, um dia, se estenderá pelas chagas mais profundas e por entre as lacunas que este mesmo coração não conseguiu preencher. O que passa por entre estas lacunas, abrandadas pelo tempo, é um rio caudaloso de lembranças. Ternas, afetuosas, mas um tanto impossíveis porque não havia mais ponte para ajudar a atravessá-las, prosseguindo naquele caminho tão luminoso e convidativo.Um caminho que ele tomou só. Resignado pela certeza que muitos nunca tiveram, e que poucos souberam aproveitar. A certeza de que o amor entre um homem e uma mulher é possível em qualquer circunstância, hora e lugar. Mas que seria preciso aos dois disposição para agarrar a oportunidade com unhas e dentes, pois ela é única, valiosa e fugidia. E num átimo, pode escorrer e escapar pelos dedos, se perdendo como gotas d'água num dia chuvoso qualquer. Um homem sabe reconhecer todas as oportunidades que a vida põe à seus pés. Mas nem todas lhe prestam reverências, só podendo acenar de longe, como numa espécie emudecida de adeus.Se esse caminho levaria à algum lugar especial, não se sabe. Poderia ser para um local como qualquer outro. Pode ser que ele fosse interrompido por alguma vala bem funda, uma lagoa cristalina ou até por uma refrescante cachoeira, como tantas que se vê nessas paisagens mundo afora. "As Pontes de Madison" são lindas, e valorizam cada uma das estradinhas que cortam o estado de Iowa. E quem caminha por ali, mal sabe que uma certa ponte esconde uma história assim. Tão especial que jamais será a mesma sem aquelas duas pessoas, se encontrando pela primeira vez, vindas cada uma de partes diferentes desse breve caminho que se chama Vida.

Ao meu pai querido, Fernando,
tantas vezes heroi
e tantas vezes bandido,
tal como sinto-me agora!
O ano de 2008 trouxe-me a proximidade e a distância do meu pai.
Trouxe-me o reencontro com Alagoinhas,
a cidade onde nascí e de onde tenho lembranças muito boas.
Onde a infância foi pródiga e deixou-me marcas indeléveis.
Lembro-me que ao velar meu pai muitas vezes pensei que aquele ali,
deitado, inerte, sem qualquer reação, não era o "meu pai".
Não era aquele homem que viveu entusiasticamente e que me dizia dias antes da sua morte:
"aproveitas a vida minha filha, que ela é muito curta, passa rapidamente".
Não era aquele homem corajoso e que construiu sua vida com determinação e força.
Não era aquele homem simples mas tão sábio de emoções, verdadeiramente não era meu pai aquela coisa estendida ali.
Lembro-me durante a noite, ao velar seu corpo, olhar seu rosto e buscar o meu pai.
Dias depois, ouvia uma entrevista do Lôbo Antunes na TV portuguêsa, onde ele
colocava palavras nos meus sentimentos frente a morte do meu pai.
Aqui estão fragmentos dessa inteligente e sensível entrevista.
Adicionar imagem"Este não é o meu pai....
É terrivel a morte de um pai, mesmo do ponto de vista estritamente egoista, e só pessoal, porque um pai é alguém que está entre nós e a morte e quando o pai desaparece, quando a morte bater a porta quem vai abrir somos nós.
É algo que ainda nos defende da morte.
A morte do pai não é um prenúncio,
ficamos indefesos perante ela.
Este não é o meu pai.
E aquela coisa ali estendida não é de fato meu pai,
nem a mãe de ninguém".
Só ficas adulto depois do teu pai morrer, porque deixou de existir a última coisa que existia entre ti e a morte.
A morte das pessoas de quem gostamos amputa-nos.
Antonio Lôbo Antunes/escritor português
Freud, Lacan e o amor


Leia o artigo sobre o amor escrito pelo psicanalista Reinaldo Pamponet para a Muito. Apoiado em Freud e Lacan, o profissional faz uma análise do comportamento do homem e da mulher nas relações amorosas.









O amor na contemporaneidade
Reinaldo Pamponet*
Nos dias atuais o psicanalista testemunha o declínio da função do Pai e, por conseqüência, o surgimento de novos sintomas, uma crescente diversidade de crenças religiosas, o uso excessivo das drogas e dos medicamentos e um aumento acentuado da insatisfação com as relações amorosas.
Na contemporaneidade, o avanço dos embaraços e dos desencontros entre os parceiros tem provocado fracassos e estragos de toda ordem na vida amorosa. O sentimento de vazio, de mortificação e falta de sentido têm invadido a vida dos amantes e levado os parceiros a se defrontarem com um curioso paradoxo: "sabem o que não quer", mas "não sabem o que quer".
O amor é um afeto que está do lado de Eros, do instinto de vida, como Freud denominou. O amor é recíproco, serve a Eros para se servir dele. Para todo ser humano, a demanda de amor é condição necessária para que se produza o efeito subjetivo que chamamos desejo, que por sua vez, é a mola propulsora da vida. O amor é uma pergunta e o desejo é a resposta à pergunta de amor.
O amor é uma das "paixões" que gostaríamos de experimentar intensamente e durante o tempo todo.
Quando se está amando, o desejo é verão, o sujeito torna-se vivo, quente e ativo e a vida mais colorida e vibrante. Amar é uma festa da melhor qualidade. O amor torna o mundo lúdico e traz entusiasmo, plenitude e felicidade. É a via por onde transita o segredo, a confiança e a esperança. É o caminho que dá acesso ao mais íntimo e mais secreto de cada parceiro.
O amor encoraja e faz cada um tomar a sua verdadeira liberdade, a liberdade de desejar. O amor convida cada um a ousar, intima-se com as palavras e chegar mais perto da sua verdade, conduzindo o sujeito ao desejo de saber e iluminando os momentos de escuridão que o angustia.
Amar é pretender ser amado. Ama-se o que é amável, belo ou ideal no outro. Amar é sempre uma metonímia do belo, do ideal. Contudo, amar é, também, arrisca-ser, pois, o esperado nem sempre é o alcançado. O amor não quer saber do real, do imprevisto, da surpresa desagradável, só quer celebrar.
Escutamos e acolhemos no nosso dia-a-dia, tanto por parte das mulheres quanto dos homens, expressões de angústia pela falta de relações amorosas mais estáveis: "só encontro canalha", dizem as mulheres que buscam uma relação amorosa duradoura; "todas são galinhas", dizem os homens.
As relações amorosas estão cada vez mais descartáveis. Amar, sexualmente, tornou-se equivalente a um lanche rápido, tipo o fast-food da primeira esquina: mata a fome do momento, mas não nutre. O amor que alimentaria o desejo para sustentar uma vida a dois mais longa, harmoniosa, produtiva e segura, cedeu lugar à disputa de poder e à discórdia entre os parceiros que passam a viver a relação como verdadeiros adversários.
No momento atual, seduzidos pelas ofertas do discurso capitalista, vivemos uma verdadeira escravidão da demanda, valorizando mais o ter do que o ser. Assistimos ao avanço da ciência na direção da invenção, da produção e da oferta de "novidades".
Essa oferta convida e estimula o sujeito ao consumo excessivo de objetos novos e sofisticados, para em seguida, tão logo descobre que “o excesso não preenche a falta”, esses objetos serem descartados ou substituídos e, em seguida, numa espécie de "fome" para encontrar o objeto ideal e satisfatório que preencha o seu vazio existencial, repetir, voltar a consumir.
Contudo, em última instância, esses objetos atendem à demanda, em detrimento da satisfação do desejo. Vivemos num momento do “vale enquanto útil”, quer dizer, o utilitarismo, o apego ao ter, passou à frente do laço afetivo verdadeiro. Na atualidade, os pequenos detalhes subjetivos que despertam e vivificam o desejo, já nos parece fora de moda. Todos nós temos a nossa "condição erógena", isto é, a nossa condição de amar e desejar sexualmente o nosso parceiro (a). É uma espécie de "bem íntimo e singular", resumido pelo poeta Caetano Veloso, nesse belo verso: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Na dimensão amorosa, Freud descobriu, essencialmente, duas correntes do amor: a corrente terna e a corrente erógena. Quando estamos na corrente terna do amor (amor à mãe, ao pai, ao filho, etc.) o sujeito amante faz do amado, outro sujeito, ou seja, se estabelece uma relação de sujeito a sujeito, uma relação de reciprocidade e de igualdade, o que torna a relação duradoura, uma vez que, cada um suporta melhor as diferenças e os "defeitos" do outro: Sujeito (amante) - Sujeito (amado)
Porém, na dimensão do amor erótico, quando se ama sexualmente, o sujeito-amante transforma o sujeito-amado em objeto. Assim, estabelece-se uma relação de não-reciprocidade, de dissimetria. O sujeito-amado sente-se rebaixado à condição de objeto de desejo do outro.
Nessa condição, não haveria uma "relação", mas apenas um "encontro". Quer dizer, o impasse amoroso entre os parceiros, reside no fato de que no nível do sexual, não há "relação", mas tão somente, "encontro". Ocorre que o encontro erótico (não é regra geral) parece sempre pré-datado, ou seja, tem o dia de acabar. Aqui o inicio anuncia o fim. Sujeito (amante) - Objeto (amado)
Na relação com o amor e o desejo sexual, o homem e a mulher são muito diferentes. A mulher, aquela que consideramos feminina, tem a sua condição de amar bastante diferente do homem. A mulher feminina para alcançar a sua realização sexual, precisa de que o homem fale com ela, de preferência fale amorosa e poeticamente, para que ela o ame, porque ela precisa amar para desejar e desejar para alcançar a sua satisfação sexual plena. Então, a mulher (não é regra geral) necessita desse caminho que vai das palavras ao amor, do amor ao desejo e do desejo ao gozo: Falar - Para Amar - Amar - Para Desejar - Desejar - Para Gozar
Falar, para a mulher, é ser amável, por isso as mulheres não gostam, dispensam ou trocam o parceiro-juiz pelo parceiro-inteligente que sabe dizer o que ela quer ouvir. Uma voz determinada ou um olhar de aprovação por parte de um homem, desperta sempre admiração e desejo na mulher. Ela gosta mais do homem inteligente e bem articulado do que do erudito, prolixo e dono da verdade. Também, dispensa ouvir e obedecer ao juiz, preferindo ouvir o poeta ou o mestre.
Quando o homem não fala para a sua mulher, ela fala mal dele. A palavra tanto pode fazer a mulher sentir-se notada, valorizada e desejada quanto excluída e derrotada.
Muitas mulheres (não é regra geral) para desejar, precisam, antes, sentirem-se desejadas e únicas. Portanto, na relação com o amor, a diferença da mulher para o homem, é algo muito sensível, porque o homem não precisa da fala para amar, nem de desejar para gozar.
O insucesso do homem é com o amor. O homem só ama o que deseja. Assim, existe uma verdadeira dissimetria, uma não-correspondência na relação amorosa entre o homem e a mulher.
O impasse na relação amorosa é essa falta de reciprocidade, essa desigualdade da reciprocidade, isto é, o esperado jamais corresponde ao obtido.
O amor é um afeto habitado por um não-saber, é um "senti-mente", um sentimento que mente. Quando se ama, busca-se no outro uma espécie de complemento daquilo que lhe falta e se supõe que o outro tem. Mas, o que o sujeito não sabe, é que "o que lhe falta não é o que o outro tem, mas o que também falta a cada um". Por isso, para Jacques Lacan, "amar é dar o que não se tem".
Para concluir, diria que amar é se arriscar. mas não podemos prescindir do amor, não devemos adiar o tempo para amar, não renunciemos ao amor. Enfim, amemo-nos...
* Reinaldo Pamponet, é psicanalista-membro da Escola Brasileira de Psicanálise e membro da Associação Mundial de Psicanálise (Paris