terça-feira, 6 de outubro de 2009

04.10.2009 Mercedes Sosa

Fiquei mais triste, morreu Mercedes Sosa.
Tinha exatamente desessete anos quando conhecí sua música,
e nunca deixei de ouví-la.
Depois de longo exílio, Mercedes voltou a Argentina em 1983,
após os duros anos da ditadura,
uma voz que entretanto nunca se calou apesar de tudo.
Se pudesse colocaria aqui todas as músicas
que me encantavam quando ouvia a voz de Mercedes.
Foi com "Gracias a la vida", "Volver a los 17", "Todo cambia",
"Duerme negrito" , "Alfonsina y el mar",
que compreendí a força e a poesia desta mulher.
Com ela muitas vezes aprendí o verdadeiro sentido da luta pela liberdade,
uma liberdade de sentir e de pensar,
e admirei imensamente aquela mulher forte,
tenaz e que possuía um carisma inigualável.

Em particular lembro quando em 1980
Mercedes Sosa veio a Salvador pela primeira vez
e assiti na primeira fila do Teatro Castro Alves um show inusitado,
algo que nunca havia visto antes,
uma mulher, com tamanha força e capacidade de levantar toda a platéia.
Chamou a todos para subir ao palco e fui lá.
Jamais a esquecí, e junto com Violeta Parra,
iniciei a colecionar discos e músicas.
Volto a revê-la ano passado, com a mesma força e emoção.

De tantas músicas que gosto, posto aqui
uma que me encanta particularmente
e se a ouvírem com certeza entenderão.

http://www.youtube.com/watch?v=yzUAUv16x6k&feature=player_embedded#

"Como La Cigarra"

Tantas veces me mataron,
tantas veces me morí,sin embargo estoy aquí resucitando.
Gracias doy a la desgracia y a la mano con puñal,
porque me mató tan mal,y seguí cantando.
Cantando al sol,como la cigarra,

después de un año bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.
Tantas veces me borraron,

tantas desaparecí,
a mi propio entierro fui, solo y llorando.
Hice un nudo del pañuelo,
pero me olvidé después
que no era la única vez
y seguí cantando.
Cantando al sol, como la cigarra,

después de un año bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.
Tantas veces te mataron,

tantas resucitarás
cuántas noches pasarás desesperando.
Y a la hora del naufragio
y a la de la oscuridad
alguien te rescatará,para ir cantando.
Cantando al sol, como la cigarra,

después de un año bajo la tierra,
igual que sobreviviente
que vuelve de la guerra.


"Tinha que ser um domingo, quando tudo parece se deter
e por algumas horas o mundo fica mais reconcentrado
no que realmente importa: os afetos, os que estão e os que se já se foram.
E um domingo se foi a voz da América Latina,
a voz que sustentou punhos em alto, que acompanhou levantes,
que impulsionou esperanças, que balançou as faixas nas passeatas,
que empunhou as armas da libertação deste continente dolorido.
“La Negra Sosa”, como era carinhosamente conhecida,
foi muito mais do que uma cantora única,
com um timbre de voz inconfundível
e uma interpretação que a elevava a co-autoria das músicas
que apresentava mundo afora, foi o ícone,
a assinatura melodiosa de uma época que sem a sua voz,
perderia muito do seu significado histórico/político.
Sabemos que o Che Guevara carregava na mochila
nos seus últimos dias na Bolívia,
um exemplar do Canto General de Pablo Neruda.
Sabemos de estudantes, operários,
e intelectuais que iam para as lutas ou para os calientes debates dos anos 60, 70 e 80 munidos dos seus livros “de combate”
e as suas músicas de vanguarda revolucionária.
Pois bem, a voz de Mercedes Sosa acompanhou,
como um espírito constante e eficaz, como um anjo da guarda mestiço,
uma Virgem dolorosa do sul, uma mãe dos humildes,
uma necessária Pachamama cantora, cada momento,
cada caída e cada alegria nessa persistente luta pelos direitos humanos, impulsionando sempre a História através do seu canto de outra dimensão que quando tomava o microfone baixava à terra para fazermo-nos sentir que éramos algo mais que simples homens, motores da máquina capitalista.
O prodígio da sua voz e seu escolhido repertório
do melhor que o continente produziu
em termos de composições que afundaram suas raízes na terra americana, continuará ressoando em cada recanto do mundo e especialmente,
nesta nossa Abya Yala, do Atlântico ao Pacífico,
do rio Bravo à Terra do Fogo, até o fim dos tempos,
porque essa voz, esse som do âmbito do inexplicável,
só pode vir de algum lugar de onde agora Mercedes Sosa,
continuará cantando assim:
“Tantas vezes me mataron, tantas me morí, sin embargo estoy aqui, resucitando...”. " (Carlos Pronzato é poeta e cineasta/documentarista).