sábado, 24 de outubro de 2009


















Ao mar, sempre presente na minha historia.









Mar





De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.





II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros com um grito puro.


Mar Mar



Metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
Poesia I (segunda edição)



Mar sonoro



Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

SOPHIA DE MELLO ANDERSEN

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Na minha terra
há uma estrada tão larga
que vai de uma berma à outra
Feita tão de terra
que parece que não foi construida.
Simplesmente descoberta.
Estrada tão comprida
que um homem pode caminhar sozinho nela
É uma estrada
por onde não se vai nem se volta
Uma estrada
feita apenas para desaparecermos.

Mia Couto, nasceu na Beira, Moçambique.
É professor, biólogo, escritor.
Está traduzido em diversas linguas.
"Terra Sonâmbula" foi considerado por um juri,
criado para o efeito pela Feira Internacional do Livro do Zimbabwe,
como um dos melhores livros africanos do século XX.

No inicio
eu queria um instante.
A flor
Depois
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incendio partilhado.
O fruto.
Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.











Cabo da Roca/ Portugal





domingo, 18 de outubro de 2009

A poesia, assim como a arte, é infinita!
Quando pretensiosa penso que já conhecí quase tudo,
adentro o universo desta poetisa portuguesa,
de uma alegria contagiante e sensibilidade impar.

FERNANDA DE CASTRO (1900-1994)
Poetisa, romancista, dramaturga e tradutora
Fernanda de Castro estreou-se aos 19 anos com o livro de poesia Ante-Manhã.
Vence nesse ano (1919) o Primeiro Prémio
no concurso de originais do Teatro Nacional,
com a peça Náufragos.
Com o romance Maria da Lua (1945)
foi a primeira mulher a obter o prémio Ricardo Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa.
Em 1969 é-lhe atribuido o Prémio Nacional de Poesia.
Foi também tradutora de Rilke (Cartas a um Poeta),
de Katherine Mansfield (Diário), de Sófocles, Pirandello, Maeterlinck e Jonesco.
“Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes,
a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração,
que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema,
que o Sol ao meio-dia, olhado de frente,
não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite”.
David Mourão Ferreira

Três Poemas da Solidão
I
Nem aqui nem ali: em parte alguma.
Não é este ou aquele o meu lugar.
Desço à praia, mergulho as mãos no mar,
mas do mar, nos meus dedos, fica a espuma.
Meu jardim, minha cerca, meu pomar.
Perpassa a Ideia e mói, como verruma.
Falar mas para quê? Só por falar?
Já nada quer dizer coisa nenhuma.
Os instintos à solta, como feras,
e eu a pensar em velhas primaveras,
no antigo sortilégio das palavras.
Agora é tudo igual, prazer e dor,
e a tua sementeira não dá flor,
ó triste solidão que as almas lavras.

II
Tão só!
Cada vez são mais longos os caminhos que me levam à gente.
(E os pensamentos fechados em gaiolas, as ideias em jaulas.)
Ah, não fujam de mim! Não mordo, não arranho.
Direi: — «Pois não! Ora essa! Tem razão».
Entanto, na gaiola, cantarão em silêncio os sonhos,
as ideias, como pássaros mudos.

III
Solidão.
A multidão em volta
e o pensamento à solta como alado corcel.
E as ideias dispersas, em tropel,
como folhas ao vento pétalas do Pensamento.
Solidão.
A angústia da Cidade,
a impossível procura da Unidade,
o clamor do silêncio interior,
mais pungente, estridente,
que os bárbaros ruídos que ferem,
dilaceram os nervos e os sentidos.
Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"


Distância

Não vás para tão longe!
Vem sentar-te
Aqui na chaise-longue, ao pé de mim...
Tenho o desejo doido de contar-te

Estas saudades que não tinham fim.
Não vás para tão longe;
Quero ver
Se ainda sabes olhar-me como d'antes,
E se nas tuas mãos acariciantes,
Inda existe o perfume de que eu gosto.
Não vás para tão longe!
Tenho medo

Do silêncio pesado d'esta sala...
Como soluça o vento no arvoredo!
E a tua voz, amor, como se cala!
Não vás para tão longe!
Antigamente,
Era sempre demais o curto espaço
Que havia entre nós dois...
Agora, um embaraço,
Hesitas e depois,
Com um gesto de tédio e de cansaço,
Achas inconveniente
O meu abraço.
Não vás para tão longe!
Fica. Inda é tão cedo!
O vento continua a fustigar
Os ramos sofredores do arvoredo,
E eu ponho-me a pensar
E tenho medo!
Não vás para tão longe!
Na sombra impenetrada,
Como se agita e se debate o vento!...
Paira nas velhas ruínas do convento
Que além se avista,
A alma melancólica d'um monge
Que a vida arremessou àquela crista...
Céu apagado, negro, pessimista,
E tu sempre mais longe!...
Fernanda de Castro, in "Antemanhã"
Lisboa, um m0mento fugidio.