terça-feira, 28 de junho de 2011

BETTY MILAN

Quero compartilhar essa crônica da Betty;
tenho na minha cabeceira alguns livros dela,
dai nao preciso dizer o quanto admiro a sua fala.


Jovem até o fim



O que significa envelhecer?
Ouso perguntar o significado desse verbo,
que a moderni­dade ocidental baniria da língua se pudes­se.
No primeiro sentido do dicionário, en­velhecer é tornar-se velho.
Leio e releio a frase, que me remete a um amigo de infância,
Francis­co, precocemente envelhecido.
Continuo, no en­tanto, sem resposta.
Volto ao dicionário.
No segundo sentido, en­velhecer é tomar aspecto de velho:
Olho a foto do psicanalista francês Jacques Lacan que está na parede
e observo seus cabelos brancos.
Só que ele não se mostra envelhecido pelas suas cãs.
A intensidade do seu olhar evidencia a juventude do homem -
que permanecia jovem aos 74 anos, quando o conheci.
Só bem depois ele per­deu o aspecto jovial.


Nos outros sentidos fornecidos pelo dicioná­rio,
também não encontro uma resposta satisfa­tória.
No caso dos seres humanos, não se pode dizer que envelhecer é perder o viço. O homem não é um fruto.
Tampouco se pode dizer que é estar em desuso.
O homem não é um objeto.


A busca de uma definição precisa, por meio da língua, se revelou estéril.
Olho de novo para a foto de Lacan e concluo que o envelhecimento físico,
por si só, não é suficiente para caracteri­zar um velho.
Eu me pergunto, então, por que, ao contrário de Lacan,
meu amigo Francisco en­velheceu aos 60.
Citando - e comparando-se a - Pablo Pi­casso, o pintor espanhol,
Lacan dizia que não procurava as suas ideias, simplesmente as acha­va.
Um dia, declarou em um dos seus seminá­rios:
"Eu agora procuro e não acho".
Com essa frase, anunciou que a sua vida se apagava.
Pou­co depois, tomei o avião de volta para o Brasil.
Naquele período, a única razão para eu ficar na França
era a oportunidade de trabalhar com ele.


A juventude de Lacan, como a de Picasso, estava ligada à capacidade
de se renovar através do trabalho.
Duas vezes por mês, ele falava em público, para plateias de 1 000 pessoas, com ideias novas, uma atividade que demandava grande esforço.
Mais de urna vez, encontrei-o exausto, em seu consulrório.


Lacan foi um exemplo por nunca ter parado de começar.
Embora fosse um intelectual, meu amigo Francisco acreditou que,
a partir dos 60 anos, já não podia iniciar nada e,
por esse moti­vo, não parou de se repetir.
Não quis, inclusive, abrir mão de nenhum hábito da juventude.
Con­tinuava a comer, beber e fumar como aos 18.
Lamentava o tempo que passava, porém não aceitava o fato traduzido nas mudanças do corpo e, assim, recusava-se a encontrar soluções para a sua própria vida.
Só sabia dizer: "Na minha ida­de é assim".
Foi vítima de uma fantasia arcaica sobre o tempo e viveu na contramão, fazendo de conta que o tempo não existia.
Morreu precoce­mente por não ter sido capaz de entender que,
depois de deixar de ser natural, a juventude é uma conquista.


Revista Veja - por Milan,Betty

segunda-feira, 27 de junho de 2011

MEIA NOITE EM PARIS

Até Pensei
              (Chico Buarque)

Junto à minha rua havia um bosque
Que um muro alto proibia
Lá todo balão caia, toda maçã nascia
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura
E eu a espreitar na noite escura
A dedilhar essa modinha
A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha
Junto a mim morava a minha amada
Com olhos claros como o dia
Lá o meu olhar vivia
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via
Do lado de lá tanta ventura
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha
Eu andava pobre, tão pobre de carinho
Que, de tolo, até pensei que fosses minha
Toda a dor da vida me ensinou essa modinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha...


Foi por uma grande motivo que Woody Allen
abriu o festival de Cannes deste ano.
Uma ode de amor a Paris e aos seus habitantes ilustres,
através de roteiro criativo, alegre, lúdico e cheio de imaginação.

Um conto de fadas bem moderno,
aproximando-nos do cotidiano de ilustres nomes da França nos anos 20, 
como Picasso, Lautrec, Cole Porter, Hemingway, Scott Fitzgerald,
Salvador Dalí, Luís Buñuel, Matisse,T.S. Eliot e tantos outros.
Encanta-nos a boemia parisiense, a magia da noite
e a poesia nos diálogos e nas descobertas do personagem principal,
um jovem romantico e encantado com Paris.
“Se você tiver a sorte de ter vivido em Paris quando jovem,
não importa por onde ande pelo resto de sua vida,
leva isso junto, porque Paris é uma festa ambulante”,
escreveu Hemingway em Paris é uma festa, seu livro de memórias
publicado postumamente, em 1964.

No cinema esperei até conferir a trilha sonora, maravilhosa,

com belíssimos arranjos.
Cole Porter cantando "Let's do it",
abre e encerra  o filme de maneira brilhante.
Eis aqui:

Let’s do it – Cole Porter

Si tu vois ma mère – Sidney Bechet
You do something to me – Cole Porter
Ain’t she sweet – Enoch Light and the Light Brigade
Charleston – Enoch Light and the Light Brigade
La Conga Blicoti – Jospéhine Baker
You’ve Got That Thing – Cole Porter
Cancan – Offenbach
Parlez moi d’Amour – Juliette Greco

Além de tudo isso, W.Allen consegue questionar o sentido da vida.
O homem certamente vê mais poesia no tempo que passou,
achando que outro lugar e outro tempo seriam mais adequados
para a sua vida e para sua realização.
Também é inerente ao homem pensar que outras vidas
seriam melhores de ser vividas. Lêdo engano!
É muito interessante quando o personagem principal do filme,
Gil Pender (Owen Wilson), vê a personagem Adriana,
que vivia o papel da amante de Picasso,
ao voltar no tempo, fascinada pela Belle Époque,
que foi um período de cultura cosmopolita na história da Europa,
que começou no final do século XIX (1871).
Cada tempo tem seu fascinio, seu charme, sua poesia,
e traz novos modos de pensar e viver o cotidiano.



Meia Noite em Paris é para mim, acima de tudo, uma grande hstória de amor.
O amor de W.A pelo cinema, o amor por Paris,
pela música, pela literatura, pela vida! 

domingo, 26 de junho de 2011

Mas há a vida

que é para ser
intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.
           Clarice Lispector







SALVADOR - BAHIA