segunda-feira, 5 de abril de 2010

A velhice, vista da limitada perspectiva da juventude

A velha senhora havia fechado as venezianas de seu quarto
- esperando, imaginei, evitar que o sol do meio-dia de Miami
invadisse sua tristeza.

Mesmo assim, o sol ainda atingia a janela com força total,
iluminando-a como uma lanterna chinesa.
Ela se sentava silenciosamente numa cadeira de rodas,
sua silhueta de 93 anos recurvada sob um banho de luz.
Eu entrei, segurei sua mão por um momento e me apresentei.
"Sente-se, doutor", disse ela educadamente.
Perguntei por que ela tinha vindo à casa de repouso,
e ela descreveu o recente falecimento de seu marido
após 73 anos de casamento.
Fiquei devastado pela ideia de sua perda
e quis oferecer algumas palavras de conforto.
Me inclinei para frente e comecei a falar.
"Eu sinto muitíssimo", disse a ela.
"Como tem sido para a senhora perder seu marido
depois de tantos anos de casamento?"
Ela fez uma pausa e então respondeu: "Tem sido o paraíso".
Vendo minha surpresa, ela sorriu e prosseguiu
para descrever como tinha suportado décadas de um casamento infeliz
com um homem grosseiro e que a ofendia verbalmente.
Conforme ela falava, percebi por que meus instintos
estavam tão completamente desligados.
Em minha empatia desencaminhada,
eu tinha cometido o que William James chamou de falácia do psicólogo
- deduzir incorretamente que alguém sabe o que outra pessoa está sentindo.
Com essa paciente recém-enviuvada,
imaginei que só lhe restava uma vida de tristeza e decrepitude,
e me senti mal por isso.
Mas eu estava errado.
Ela não tinha caído no abismo.
A senhora estava feliz por ter finalmente ganhado alguma liberdade,
e determinada a aproveitar ao máximo a situação.
No ano seguinte, na casa de repouso,
ela se lançou em novas atividades e relacionamentos
de uma forma bastante inesperada.
De tempos em tempos, todos nós caímos nessas impressões errôneas
sobre a idade avançada.
Elas derivam, em parte, de uma perspectiva centrada na idade,
na qual nós enxergamos nossa própria idade
como a época mais normal de todas,
a forma como toda a vida deveria ser.
Aos 18 anos, os cinquentões podem parecer idosos,
mas aos cinquenta nós podemos dizer o mesmo a respeito das pessoas com 80.
"Então, como é realmente ser velho?",
pergunto frequentemente aos meus pacientes,
que estão principalmente entre seus 80 e 90 anos
- e as respostas são bastante inesperadas.
"Me esqueci de que era tão velha",
me confidenciou recentemente uma paciente de 100 anos,
e então pediu licença para chegar a tempo na partida de bingo.
Esse foco na idade é particularmente difundido na postura das pessoas
em relação a casas de repouso.
Com frequência exagerada,
imaginamos que a vida parece terminar na porta do asilo
- que o ambiente é desprovido de amor, solitário,
com a morte pairando bem perto.
Nós cometemos esse engano
quando nos recusamos a enxergar as necessidades de intimidade
até mesmo dos idosos mais debilitados.
Nossa cultura, centrada na juventude, equaciona amor com sexo;
em contraste, tenho visto com meus pacientes mais velhos
que o amor pode ser uma flor desabrochando ao infinito,
sentido e expresso de centenas de maneiras.
A mãe de um amigo que sofre de Alzheimer
se apaixonou por outro residente de seu andar;
eles caminham por ali de mãos dadas,
abraçando-se numa inocência redescoberta
que talvez apenas sua perda de memória tenha restaurado.
Nós também projetamos nosso horror à morte sobre os idosos,
deduzindo que o medo e a depressão devem acompanhar os anos finais da vida.
Mesmo assim, em meus 15 anos de trabalho em casas de repouso,
nunca ouvi um paciente dizer que tinha medo de morrer.
Algumas vezes, há aceitação, em outras, expectativa,
mas geralmente essa não é uma grande preocupação.
A vida prossegue em suas sombras.
No fim, existe um custo para nossa visão míope do envelhecimento.
Nós imaginamos as dores e os problemas da idade avançada,
mas nos esquecemos das alegrias e novas buscas;
nós recuamos frente às perdas e à solidão,
e não abraçamos a sabedoria e o significado que somente a idade pode trazer.
Henry Wadsworth Longfellow captou muito bem esse sentimento:

Pois a idade é oportunidade, não menos
Que a própria juventude, mesmo que em outros trajes
E à medida que o crepúsculo da noite se esvai
O céu se enche de estrelas, invisíveis durante o dia.


Dr.Marc E.Agronin é psiquiatra geriátrico do Miami Jewish Health Systems.
© 2010 New York Times News Service