sábado, 21 de fevereiro de 2009

A Miguel Torga, magnífico!

Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres,
nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade,
enquanto não alcances não descanses,
de nenhum fruto queiras só metade.


O que é bonito neste mundo, e anima, é ver que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura. E que a doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova.


A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo.


BILHETE
Não te sei dizer mais.

Depois de tantos versos,
Que te baste o silêncio
Dum poeta ardente,
Que sempre, naturalmente,
Foi além das palavras
Do amor, amando.
Que, em cada beijo,

Selava os lábios que o nomeavam.
Que aprendeu, a sofrer,
Que tudo acontecia
No acontecer.
Que, até nas horas de evasão, sabia
Que a verdadeira vida vive-se a viver .


Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha (1907 - 1995), médico, poeta, escritor e ensaísta português.
http://purl.pt/13860/1/miguel-torga.htm









Foto de Rui Moutinho

Dez Chamamentos Ao Amigo
Hilda Hilst

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I)






















Salvador, chegada pelo mar!
Súplica

Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas às urgentes perguntas que te fiz.
Deixa-me ser feliz assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto o nosso amor durou.
Mas o tempo passou, há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga



















Morro de São Paulo/BA
" Eu amo a vida, eis a minha verdadeira fraqueza.
Amo-a tanto, que não tenho nenhuma imaginação para o que não for vida "
(albert Camus)




Meu pé de jaboticaba, brotando como nunca.
Me dá frutos deliciosos.
Lembranças da minha infância,
do sabor, da cor, do perfume inigualável.
Meu pé de jaboticaba!




... porque nos cruzámos... e isso ficará tatuado dentro de nós... (e)ternamente!


DESENHAR

No peito de uma folha.
Trágica linha em espiral.
Grita.Linha recta. Manipuladora.
Formas em paixão cega. Fúria.
Distância mais curta. Cada vez mais curta.
Coragem? Delego nos declives.
A Embriaguez ancestral a prevalecer.
Tudo no limiar ou no limite.
Momento de orgulho.
Próximo da cegueira.
Há círculos que se apagam com a chuva.
E voltamos a riscar outros círculos.
O mais longe possível da memória dos primeiros

(poeta português/Rui Moutinho)





















A Tania e Roberto, um grande momento!
Longe do carnaval,
Perto do coração.


Amizade sincera é um santo remédio
É um abrigo seguro
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso
Por isso se for preciso
Conte comigo, amigo disponha
Lembre-se sempre que mesmo modesta
Minha casa será sempre sua
Amigo, os verdadeiros amigos
Do peito, de fé
Os melhores amigos
Não trazem dentro da boca
Palavras fingidas ou falsas histórias
Sabem entender o silêncio
E manter a presença mesmo quando ausentes
Por isso mesmo apesar de tão raro
Não há nada melhor do que um grande amigo

Renato Teixeira
Há pouco estive num lugar especial,
pelos livros, pela poesia, pelo saber,
pelos sabores, pelo tom!
O tom que pode ser dado pela amizade,
por compartilhar, ouvir
e traduzir-se, sempre!



Juntas choramos pelo que já passamos, pelo que estamos passando e pelo que ainda vamos passar.

AH!......... Mas também sorrimos muito!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Para ti, que partejas "olhos vagabundos" ........................


A complicada arte de ver

Rubem Alves


Ela entrou, deitou-se no divã e disse:
"Acho que estou ficando louca".
Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura.
"Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria!
Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas.
Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto.
Percebi que nunca havia visto uma cebola.
Aqueles anéis perfeitamente ajustados,
a luz se refletindo neles:
tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.
De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista!
E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões...
Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico.
Eu me levantei, fui à estante de livros
e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda.
Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse:
"Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas.
Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro:
'Rosa de água com escamas de cristal'.
Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta...
Os poetas ensinam a "ver".
Ver é muito complicado.
Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos,
são os de mais fácil compreensão científica.
A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica:
o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro.
Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou:
"A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê".
Sei disso por experiência própria.
Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente:
ali está uma epifania do sagrado.
Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura.
Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra".

Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.
"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios",
escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.
Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver.
O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho".
Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu:
"Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado.
Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente:
ao partir do pão, "seus olhos se abriram".
Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção":
"De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão,
o operário foi tomado de uma súbita emoção,
ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia.
Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados.
Se os olhos estão na caixa de ferramentas,
eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática.
Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação.
O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre.
Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar,
querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos.
Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças.

Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho,
Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente:
"A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana.
Como o Jesus menino do poema de Caeiro.
Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...


Rubem Alves, 71, educador, escritor.


“(...) o direito de sonhar e lidar com outro mundo (a utopia é isso) é o mais importante direito humano. E não figura em nenhuma declaração da ONU. Por mais completos que estejamos, não estamos terminados, e podemos ser desfeitos e refeitos de outra maneira, para que o mundo seja a casa de todos e não um campo de concentração. E para que possamos ver o próximo não como uma ameaça, mas como uma promessa”.
Eduardo Galeano em Utopia e Barbárie, filme de Silvio Tendler

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009




Tua voz chegou-me hoje,

Como se chegasse a mim a primavera!



A Tua Voz de Primavera

Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo desejo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...

Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"

" O que eu quero contar é tão delicado quanto a própria vida."
(CLARICE LISPECTOR)







quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Nas compras,
Entre frutas e diversos,
li este título : "Tempo da Delicadeza".
Fascinei-me por ele, pareceu-me atual.
Tão raro o tempo,
E tão raro as delicadezas!

Affonso Romano então conclui:
"Sei que vão dizer: a burocracia, o trânsito, os salários, a polícia,
as injustiças, a corrupção e o governo não nos deixam ser delicados.
- E eu não sei?
Mas de novo vos digo: sejamos delicados.
E se necessário for, cruelmente delicados."


O Caminho que não tomei..............

Entre duas possibilidades, que caminho tomar?
Um dos poemas mais conhecidos da literatura norte-americana
foi escrito por Robert Frost (1874-1963).
É o famoso "The road not taken", e foi traduzido pelo poeta português Antônio Simões com o título "O caminho que não tomei".
Está numa recente antologia onde ele verteu competentemente 112 poemas do inglês
para a nossa língua.
Entre duas possibilidades, que caminho tomar?
Pode ser entre dois amores, dois empregos, duas ruas, dois países.
Pode ser uma encruzilhada qualquer.
O fato é que a escolha é às vezes algo complicado.
Tão complicado que uns psicólogos norte-americanos criaram
a "teoria da dissonância cognitiva" baseada nesse drama.
Como escolhemos as coisas, seja uma simples geladeira, uma proposta, uma roupa,
e que racionalizações fazemos para justificar a direção tomada?
O poema é simples, Robert Frost foi um poeta que escrevia simples,
e de tão popular que era foi chamado para ler um poema
na posse do presidente Kennedy, em 1961.
Diz o poeta que duas estradas divergentes surgiram-lhe num bosque amarelado,
e infelizmente ele não podia viajar ao mesmo tempo pelas duas.
Eram duas estradas e ele era uma pessoa só.
Ele estendeu os olhos sobre a primeira delas tão longe quanto podia
até que ela se perdesse na folhagem.
No entanto, mesmo diante dessa sedução,
ele tomou a outra via, que tinha uma agreste vegetação dificultando-lhe o caminho.
Fazer tal escolha foi, ao mesmo tempo, obter e perder alguma coisa.
Na última estrofe, que reproduzo aqui em português e inglês,
ele resume a perplexidade da situação:

"Suspirando, estarei contando a ti,
Daqui a mil anos, o que aconteceu:
Dois caminhos bifurcavam, e eu -
O menos pisado tomei como meu
E a diferença está toda aí."
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roadas diverged in a wood, and I -
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.
Ou seja, em minha vida eu tomei a estrada mais difícil, menos usada, e isto fez toda a diferença.(...)
O poema de Frost fala de algo mais ético e existencial.
É inevitável associar a ele um outro poema, do poeta português José Régio,
intitulado "Cântico Negro", e que começa assim:

"Vem por aqui!" - dizem-me alguns com olhos doces,
estendendo-me os braços e seguros
de que seria bom que eu os ouvisse
quando me dizem: "Vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
e cruzo os braços e nunca vou por ali..."
E depois de repetir que não segue os outros,
que só vai por onde bem quer, o poema assim termina:

"Não sei por onde vou.
Não sei para onde vou.
- Sei que não vou por aí!"

André Gide dizia que , nessa vida,
o diabo é que dos cem caminhos a gente tem que escolher um
e ficar com a nostalgia dos outros 99.
É possível. E há quem sinta nostalgia de todos os cem.
Esse tipo de frase de efeito antigamente me tocava.
Mas hoje, menos pretensiosamente,
acho que nos cabe tornar o caminho escolhido mais belo
e nele descobrir seus fascinantes mistérios.
Affonso Romano de Sant'Anna -
"Tempo de Delicadeza"
"pelo sonho é que vamos" !

Ao professor que acredita nos sonhos,
e que ao tecer linhas com pequeninos,
faz do caminho um caminhar.

E assim,
faz-se homem inteiro,
de coragem e ternura,
VERDADEIRO!


Pedra Filosofal (Manuel Freire)

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral, contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia, que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha o mundo pula e avança
como bola colorida entre as mãos de uma criança.

















La Mancha, "saudade do futuro"!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Niemeyer aos fazer 100 anos, proferiu a frase: " a vida é um sopro"!


As coincidências também aproximam as pessoas,
encurtam as distâncias,
e muitas vezes deixão-nos perplexos perante a vida!
E o que é ela senão uma surpresa diária,
Grata surprêsa!


Presenteia-me com o conhecido,
que a lembrança esquecera,
volto a ouví-lo novamente
e sinto-me surpreendentemente feliz!



BEM DEVAGAR (Caetano Veloso)

Sem correr
Bem devagar
A felicidade voltou pra mim
Sem perceber
Sem suspeitar
O meu coração deixou você surgir
E como o despertar depois de um sonho mau
Eu vi o amor sorrindo em seu olhar
E a beleza da ternura de sentir você
Chegou sem correr
Bem devagar
Amor velho que se perde
Sai correndo para outro ninho
Amor novo que se ganha
Vem sem pressa, vem mansinho