sábado, 30 de janeiro de 2010

Conhecí uma pessoa sensível (Sara),
escreve de forma sensível e especial.
A internet como a vida, nos surpreende,
e nos faz encontrar e fazer amigos,
pessoas que como nós vivem suas histórias.
Faço das suas, as minhas palavras!

"Não importa o quanto a vida nos obriga a ser sérios...
Todos nós procuramos alguém para sonhar... brincar...amar
e tudo o que precisamos é de uma mão para segurar
e um coração para nos entender".


Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,
é de dia e o sol brilha.
Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,
alguém observa as formas fantásticas que as nuvens desenham no céu azul.

Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,

alguém sorri e alguém chora, alguém ama e alguém sofre,
alguém acabou de despertar no preciso momento em que alguém adormecia,
alguém nasce e alguém morre,
alguém contempla as estrelas
e alguém observa o nascer de um novo dia.

Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,

alguém sofre com fome, enquanto outros desperdiçam,
alguém gela com frio, enquanto o agasalho ganha pó
no esquecimento de um qualquer canto do armário,
alguém enlouquece, exposto aos horrores da guerra,
enquanto outros se acomodam, despreocupados, a mais um perguiçoso dia de Paz.

Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,

alguém desabafa com o mar,
alguém se abandona à chuva, fundindo-se com as suas lágrimas,
alguém procura magia por entre as páginas de um livro,
ou na ternura de um olhar, alguém procura calor no conforto de um abraço.

Neste preciso momento, em algum lugar do mundo,

estás tu que me és destinado, tu que ainda não sei sequer quem és.......
Sara Costa e Silva

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

ANTONIO LÔBO ANTUNES

Dos meus alfarrábios, ainda Lôbo Antunes,
pensamento!

"Um parvo em pé vai mais longe que um intelectual sentado".
fonte: Livro de Crónicas, 1998

'A gente não pode compreender os sentimentos sem o contrário deles'.
fonte: Expresso, 07.11.1998


"Não sou um senhor de idade que conservou o coração menino.
Sou um menino cujo envelope se gastou".
fonte: Livro de Crónicas, 1998

"O desgosto é a melhor forma de assassínio por nunca se encontrar a arma do crime".
fonte: Livro de Crónicas, 1998

"Só ficas adulto depois do teu pai morrer,
porque deixou de existir a última coisa que existia entre ti e a morte.
fonte: Jornal de Letras, 25.10.2006

"Quando morre um pai, tem-se a sensação de que,
na próxima vez que a morte aparecer à porta, seremos nós a abri-la".
fonte: Visão, 23.02.2006

"A morte das pessoas de quem gostamos amputa-nos".
fonte: Diário de Notícias, 08.12.2001

"Nós morremos quando desaparecem as últimas pessoas

que ouviram falar de nós".
fonte: Diário de Notícias, 08.12.2001

"É preciso viver, viver como homem comum entre homens comuns.

Só um homem comum pode fazer grandes coisas".
fonte: Courrier Internacional, Janeiro de 2007

"Nós somos casas muito grandes, muito compridas.

É como se morássemos apenas num quarto ou dois.
Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.
fonte: Diário de Notícias, 09.11.2004

ANTONIO LÔBO ANTUNES

Dizem que somos fiéis aqueles que admiramos!
Ele certamente conseguiu "vários níveis de emoção em cada frase
e concentrar num nada o mundo todo".

Vacilantes rostos do passado

O sorriso do meu avô surdo que poisava em nós

sem nos tocar e se ausentava num abismo de mudez
5:51 Quinta-feira, 21 de Jan de 2010

Vacilantes rostos do passado: os meus avós, os meus tios,

a minha bisavó, já tontinha, um militar com as tripas nas mãos
a olhar-me na picada, numa atitude de oferta.
Silenciosos verões, a serra da Estrela que continua a fazer-me sonhar,
o céu da noite sobre as ramadas dos pinheiros.
Cheiros da Beira Alta que só a mim pertencem,
da roupa engomada nas gavetas e o do incenso, na igreja,
quando era menino do coro e as flechas de São Sebastião,
num altar lateral, me atormentavam.
Riscos encarnados a imitarem sangue no corpo de pasta.
A minha embirração por São Luís Gonzaga,
possuidor de todas as virtudes que eu não tinha:
obediência aos pais, bom aluno, simpático até ao enjoo e,
segundo a pagela, esmoler.
Ainda hoje a palavra esmoler me provoca uma reacção
no género da que me transtorna quando
uma faca raspa o fundo de um prato ou o giz,
na escola, guinchava na ardósia.
Esmoler não lembra ao diabo
mas lembrou ao biógrafo de São Luís Gonzaga,
que devia ter sido fuzilado no berço
antes de ter tempo de crescer e escrever aquilo.
O problema das crianças é que se tornam adultos:
os gatos, por exemplo, são sempre gatos, que alívio.
E os cavalos de carrossel não mudam nunca.
Saudades do carrossel em forma de oito:
- Viaje no oito que viaja melhor
berrava o altifalante, e atrás do microfone um homem gordo,

de bexigas, a piscar o olho às pequenas jeitosas
enquanto limpava o suor das bochechas com um lenço gigantesco,
esse não um vacilante rosto do passado,
uma cara pavorosamente nítida,
de anel do tamanho de uma algema no dedo.
Silenciosos verões durante o dia,
os insectos do crepúsculo contra a lanterna do alpendre,
asas queimadas crepitando.
O sorriso do meu avô surdo que poisava em nós
sem nos tocar e se ausentava num abismo de mudez.
O bolso do casaco dele cheio de palitos
que não sei para que lhe serviam, não os punha na boca.
Depois de morrer o casaco, de linho branco,
permaneceu que tempos no cabide.
Era bonito e triste, de uma melancolia amável.
Não me ligava nenhuma, dava ideia de não ligar a ninguém.
Sorria apenas.
Vacilantes rostos ou sombras?
Isto parece a introdução do Fausto de Goethe, vou mudar a agulha.
Lembro-me da minha mãe cantar,
lembro-me de parecer nossa irmã, lembro-me de eu a querer escrever.
Com cinco ou seis anos copiava coisas dos jornais e considerava-as minhas. Fazia versos.
Por volta dos treze anos comecei a entender que não tinha talento
seguiram-se séculos e séculos de prosa.
Na altura ainda fazia essas diferenças.
As prosas eram, evidentemente, horríveis, tinha consciência disso,
mas tinha também a certeza inabalável, de cimento,
que iria fazer o que nunca, antes de mim, se fizera.
É esquisito que ainda hoje não pasme com a minha convicção de garoto.
Como Bocage ao acabar de dizer um poema:
- Isto é meu, isto não morre.
Pois, mas morreu ele.

Claro que nessa altura não me preocupava o que preocupava Balzac
e ainda me preocupa hoje: a forma interna,
as possibilidades internas do material,
a administração das palavras no interior do texto,
mas não vou aborrecer as pessoas com problemas técnicos.
Quero que o canalizador me ponha a torneira a funcionar,
não me interessa como o faz.
E a maior parte dos leitores exigem resultados,
o meio de os atingir é-lhes indiferente, enquanto a mim,
por dever de ofício, o que me atrai num livro é desmontá-lo,
ver o por dentro, os parafusos, as rodas dentadas,
os amortecedores (amortecedores é fundamental)
as bielas, a tralha escondida que põe a funcionar tudo aquilo.

Quando John Cheever escreve "numa boa página de prosa ouve-se chover"
a questão é como se chegou a isso, que milagres não há.
De que maneira treinar a cabeça e a mão,
apagar da memória tudo o que não faz parte do livro,
aprender, até a tornar instintiva,
a fazer a triagem do que nos irá servir e jogar fora resto.
Que longo caminho até chegar aqui.
E, ao mesmo tempo, a sensação de que estamos sempre a começar.
Queridos, vacilantes rostos do passado.
Daqui a nada eu, passado igualmente, na memória dos outros:
- Como era o António, que não me recordo bem?
Casaco e palitos não tinha, sorriso pouco, quase não falava.

Sujeitava-se mal à ordem das coisas.
Tentou, a vida inteira, E a maior parte dos leitores exigem resultados, o meio de os atingir é-lhes indiferente, enquanto a mim, por dever de ofício, o que me atrai num livro é desmontá-lo, ver o por dentro, os parafusos, as rodas dentadas, os amortecedores (amortecedores é fundamental)
as bielas, a tralha escondida que põe a funcionar tudo aquilo. Quando John Cheever escreve "numa boa página de prosa ouve-se chover" a questão é como se chegou a isso, que milagres não há. De que maneira treinar a cabeça e a mão, apagar da memória tudo o que não faz parte do livro, aprender, até a tornar instintiva, a fazer a triagem do que nos irá servir e jogar fora resto. Que longo caminho até chegar aqui. E, ao mesmo tempo, a sensação de que estamos sempre a começar. Queridos, vacilantes rostos do passado. Daqui a nada eu, passado igualmente, na memória dos outros:
- Como era o António, que não me recordo bem?
Casaco e palitos não tinha, sorriso pouco, quase não falava.

Sujeitava-se mal à ordem das coisas.
Tentou, a vida inteira, conseguir vários níveis de emoção em cada frase
e concentrar num nada o mundo todo.
O resto considerava-o inútil.
Um dia morreu. Deixou parágrafos.
Na esperança que as asas queimadas dos insectos do crepúsculo contra a lanterna do alpendre crepitem não um segundo mas a eternidade inteira.
Na esperança, não. Seguro disso, enquanto o céu da noite
continuará sobre as ramadas dos pinheiros,
no lugar onde foi mais feliz.