À EUGENIO DE ANDRADE, (poeta português), a quem aprendí a admirar !O escritor e poeta Herberto Helder: quatro páginas manuscritas, enviou uma no final do ano 2000 um documento notável e revelador, mostrando a sua visão «pessoal» sobre a poesia portuguesa da segunda metade do século XX, na qual Eugénio é colocado no lugar cimeiro. «Não há nenhum poeta português que possa ombrear consigo neste meio século», diz HH. «Talvez o Cesariny e a Sophia se aproximem de si, mas seria necessário, tanto a um como a outra, eliminar vários poemas maus. Quanto a si, não existe um só verso que deva ser eliminado.»POEMAS DE EUGENIO ANDRADEÀs vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis. 
Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus 
***
Que música escutas tão atentamente
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
***
Beira de Água
Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração magoado. 
(Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. 
Até o nosso, tão feito de privação.) 
Estou onde sempre estive: 
à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.
                                                          ***Foi para ti que criei as rosas.Foi para ti que lhes dei perfume.Para ti rasguei ribeirose dei ás romãs a cor do lume.                                                        ***Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um
- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum
                                                        ***Passamos pelas coisas sem as ver,gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos,como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos.
 Salvador, cais do porto.
Salvador, cais do porto.