sábado, 14 de fevereiro de 2009


O PRIMEIRO ENCONTRO
Affonso Romano de Sant'Anna (poeta mineiro)
Iam se encontrar como se fossem a um campo de tulipas.
Iam se encontrar como o equilibrista em cima de um fio,
longe do chão, sem rede de amparo.
Iam se encontrar como um navegante, um desbravador,
chegando a um continente desconhecido e desejado.
Então, já que iam se encontrar começaram a se preparar
como só se preparam as ondas quando à areia vão chegar.
Puseram-se a pré-sentir o momento do encontro,
intensificando os sinais trocados como o piloto emite sinais de aproximação atento ao radar.
Este não era um encontro qualquer, senão o primeiro.
E o primeiro encontro, eu lhes digo, exige arte maior.
Por isto, sendo adultos, pareciam ter dezesseis anos,
ou qualquer idade em que o primeiro encontro se dá.
Imaginem um ansioso casal de namorados que a cada ponto da estrada,
a cada quilometro que cada um avançasse na direção um do outro,
parasse para telefonar, mandar telegrama, ou qualquer tipo de aceno eletronico ou primitivo,
acenos ou sinais que indicassem veja, avancei tantos metros-e-quilômetros,
estou mais próximo, em breve vou te tocar.
Sabe aqueles casais que quando se separam ao viajar largam pelas gavetas do outro,
em meio às roupas do outro, nos seus cadernos e agendas uma porção de recados amorosos,
para que a parte que ficou povoe de ternas lembranças a ausência deixada?
Pois os que vão ao primeiro encontro também querem pavimentar o caminho do encontrar.
E nisto às vezes aplicam tal esmero,
que até parece que estão mais interessados no pré-encontro que no encontrar.
Eles têm algo secreto que ninguém vai detectar.
Na verdade, se parecem a essas galáxias que avançam a trezentos mil quilometros por segundo ao nosso encontro, e nem por isto são notadas pelos simples mortais.
Eles dialogam com o invisível e com o imponderável.
Com a alma silvestre, colhem flores inexistentes no asfalto e veêm ternura na rispidez dos edifícios.
Não pisam o chão dos demais.
Na verdade, caminhavam já noutra dimensão.
A carga do primeiro encontro, eu lhes digo, às vezes é quase insuportável.
Só quem tem asas de anjo pode transportá-la.
Aqueles que estão indo para o primeiro encontro tomam tenso e milimétrico cuidado.
Continuam colhendo tulipas, estudando a carta de marear e equilibrando-se no abismo.
Mas sabem que o primeiro descuido pode desvia-los do que seria a colheita das primícias.
O desejavel é que o primeiro encontro fluísse com a naturalidade que só tem aqueles que já se encontraram cem vezes.
Mas para se encontrarem cem vezes, eles sabem, é necessário transpor, construir esse primeiro e incontornável encontro.
O poeta dizia que a vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros.
Pois há também a sutil arte do primeiro encontro.
E o primeiro encontro é tão complexo e interminável,
que devemos admitir que ele pode se dar do décimo quinto encontroou trinta anos depois.
Podem , estranhamente, os desencontros anteriores terem sido o esboço do autêntico encontro,
que quando ocorre é ineludível.
O ideal é que todo encontro fosse o primeiro encontro.
E que se parecesse àquela coisa dos andróginos,
aquelas duas partes de um ser que andaram se buscando exiladas por aí,
até que um dia se abraçaram, se fundiram para nunca mais.
Quando uma pessoa parte para o primeiro encontro em vão vai se indagando:
"Que presente te dar?".
Todos os presentes parecem precários, fugazes, imcompletos.
Porque é imensurável o que cada um quer receber e o quanto se quer dar.


E já disse Pablo Neruda:
"E aquela vez foi como nunca e sempre: vamos ali onde não espera nada e achamos tudo o que está esperando".

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