quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

HOMENAGEM AO CINEMA





O que falar mais?
Vê-lo quem não o viu, revê-lo quem já o viu e não conseguiu esquecer a sua beleza, sensibilidade e a força do amor, pois só ele realmente nos completa.

A Rui, que como eu, tem essa obra prima do cinema na memória.

'As Pontes de Madison'
O que um cowboy sabe sobre o amor? Mais do que eu, você, e qualquer apaixonado pudéssemos imaginar.
De natureza simples, As Pontes de Madison desenha um romance absolutamente perfeito em sua imperfeição. O roteiro brinca com os minutos, arrastando as cenas, como se quatro dias pudessem ser mais importantes que uma vida inteira. E podem. E são. Pouco menos de 100 horas que valem uma eternidade, ou duas. Em As Pontes de Madison, Clint Eastwood é Robert Kincaid, um fotógrafo da National Geografic que está no Iowa para fotografar antigas pontes cobertas, famosas na região, para uma reportagem da revista. Meryl Streep é Francesca Johnson, uma dona de casa que trocou a Itália pelo sonho de viver na América. Casou-se com um soldado, e anos depois se vê criando os dois filhos do casal na paisagem bucólica de uma fazenda em que pouca coisa acontece, e vive-se a vida porque se acorda todo o dia, e não porque se têm sonhos.
Perdido, o fotógrafo pede informações na fazenda dos Johnsons, mas a família foi para uma feira agropecuária, e apenas Francesca está em casa. O que acontece após este esbarrão do destino é aquilo que a astrologia resume como "efeito urano": é quando uma pessoa faz uma "burrada" tão grande que detona a sua própria vida e a de outras pessoas. Bem, quase faz, e é neste fragmento do "quase" que reside a beleza deste filme.
Nossos dois personagens desse épico romântico moderno passam quatro dias juntos, se apaixonam, descobrem uma certeza que só se tem uma vez na vida, e são obrigados a escolher entre ficar ou fugir. A encruzilhada abre diversas possibilidades e questionamentos. O amor, tal qual o conhecemos, sobrevive a rotina? É possível ser feliz após ter detonado a vida de uma porção de pessoas para alcançar essa felicidade? O passado pode ser esquecido como se queimássemos uma folha de papel e jogássemos as cinzas pela janela? É possível amar e não estar com a pessoa amada? Essa história de alma gêmea é uma brincadeira divina (o homem lá de cima deve ser um cara extremamente divertido) ou podemos, num momento x de nossas vidas, encontrar uma pessoa que nos faça acreditar que caminhamos uma vida toda para chegar a este encontro? Enquanto você matuta respostas, Robert e Francesca são condenados a viver o amor em silêncio. E não existe amor mais forte que este, pois "o amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente", e como carregar por toda uma vida um amor que só durou quatro dias? Amando. É cruel e inconcebível pensar assim, mas apenas quem ama verdadeiramente pode entender que após encontrar a pessoa amada, o mundo ganha um novo significado, e a vida se transforma em uma estrada de mão única cuja última e única parada é chamada apropriadamente de fim. O amor justifica a vida. Melhor sofrer por amor que viver sem amar, diria o poetinha. Por mais vileza que seja amar em silêncio, não há como fugir desse destino. Porque só amando é que vamos correr o risco de sermos amados e, nesse fragmento de sorte, sermos eternamente felizes. No entanto, não se entra em uma história de amor para se ser infeliz, mas a infelicidade está incluída implicitamente na hora que compramos o pacote. Dói, eu sei, mas é só assim que você poderá ter a chance de guardar quatro dias inesquecíveis para se lembrar para o resto da vida. Pode parecer pouco, mas não é... acredite.Clint Eastwood abusa do direito de ser comovente em uma cena clássica: na chuva, Robert pára no meio da rua enquanto o marido de Francesca, que voltou com os filhos, faz compras. A cena se arrasta e Francesca segura a maçaneta da porta do carro com tanta força que deve ter sentido o objeto atravessar seu coração. Ela quer deixar o carro. Ela quer correr na chuva para o seu amado. Ela quer deixar a fazenda para trás, seus filhos, uma vida sem sonhos, mas a razão está ali despejando um mundo de motivos para que ela deixe o amor virar a esquina e partir para sempre, para longe de seus olhos, longe de seu corpo, mas não longe da alma. Ela se desespera, chora, e volta a viver porque viver é preciso, afinal, acordamos todos os dias a espera do fim. E com o fim, a crença no reencontro. Injusto? Não. O amor não tem nada a ver com justiça. O amor é maior que a vida. E talvez você entenda isso melhor quando tiver aquela certeza que nós só teremos uma vez na vida. Quando isso acontecer, tudo fará sentido. E amar em silêncio não será tão inconcebível. Porque enquanto o corpo sente falta do toque, a alma está totalmente completa. E, sabemos, um dia todos vamos ser apenas poeira no chão. Ou nos arredores de um ponte. As Pontes de Madison é uma adaptação do famoso romance The Bridges of Madison County, de Robert James Waller, que supostamente é baseado em uma história real. Mais do que surpreender o espectador, que talvez nunca esperasse uma história de amor contada com tanta soberba e maestria por um dos heróis da classe western, As Pontes de Madison encanta por retratar o amor na idade adulta, quando pouco de nós espera alguma coisa a mais da vida, quando nossos sonhos de adolescência foram esquecidos, e a lembrança de que um dia sonhamos é algo que nos faz analisar e questionar toda uma existência. Quase ao final do filme, quando Francesca pede aos filhos que aceitem seu último desejo, dizendo que deu sua vida à família, e quer deixar para Robert o que restou dela, é impossível não entregar os pontos, as lágrimas, o coração e a alma para Clint Eastwood. Ele conseguiu algo que poucos conseguem: retratar o amor sem ser piegas ou cínico ou vingativo. E com isso, conseguiu filmar uma pequena obra-prima, mais uma de seu excelente currículo como cineasta, um filme que você precisa ver. Texto escrito a pedido e dedicado à Lívia Casarès Bergman. Por Marcelo Costa.

Romance
A paisagem é lindamente bucólica. Um lugar especial, longe de tudo e de todos. Tão familiar ao coração de tanta gente. Não, não é um caminho apenas, nem um refúgio fenomenal. É uma velha e desgastada ponte. Daquelas feitas para durar, para oferecer uma travessia segura e completar um trajeto interrompido. E ligar, unindo duas margens opostas, dois pólos tão diferentes.Por essa construção tão comum, veio o encontro. Foi ali que ela viu que seu caminho também era misterioso. Talvez tanto quanto aquele estranho de olhar arguto e intrigante. Ele tinha um ar romântico, de quem atravessou por diversas outras pontes. Por isso olhava aquela com reverência e carinho. Um carinho que não mais existia na vida dela. Uma vida rotineira e tranqüila, simples como aquela ponte.Ela, mulher vinda de longe, há muito tempo havia construído uma vida ali. Dona de casa, esposa dedicada e mãe extremosa, já conformada com os rumos que tinha tomado para si. Mas mesmo assim, impressionada pela natureza cosmopolita daquele homem, que a fazia sentir-se viva de novo. Ela, que achava conhecer todos os aspectos de sua própria vida, agora viu que havia uma outra margem, inexplorada, envolta em fascinação.Ele, homem de muitos costumes. Viajado, vivido, de mente aberta e coração experiente, acostumado à condição de solitário cidadão do mundo. Porém atraído por um semblante tão amistoso que aquela mulher revelava timidamente, deixando-o contente por encontrar eco para suas ponderações. Ele, que conhecia os arredores do mundo, percebeu que nada conhecia sobre si mesmo, pois ainda não havia estado naquele lado da sua vida.Seus caminhos se cruzaram por 4 dias, unindo os dois em uma trajetória em comum, despertando curiosidades e interesses afins. Criando, entre eles, laços fortes e profundos, servindo de ponte para algo belo e há muito postergado. Para ela, que sempre viveu em função da família, anulando seus sonhos, guardando-os numa caixinha dentro de si. Para ele, que nunca teve raízes que o fizessem permanecer muito tempo num só local, fazendo do mundo a sua concha.Em um mundo que prima por seus contrastes, seus altos e baixos, por alguns dias deixou de ter fronteiras, atenuando todos os obstáculos que muitas vezes eles se impuseram para poder viver. Nem sempre a vida é simples e direta como deveria. Muitas vezes, ela separa quem deseja ficar junto, criando tolas desculpas para as circunstâncias que acabam por afastar aqueles sonhos, acalentados como os mais preciosos. Mesmo num mundo assim, eles encontraram uma ponte.E nessa ponte, atravessou em seu caminho a felicidade plena. Aquela tão rara que dificilmente ainda se nota nos dias de hoje. Era a chance de realização da mulher, que há muito deixou de esperar surpresas vindas de seu coração. Foi um novo começo com alguém equivalente, em vários aspectos, como uma alma gêmea para ele. Algo tão forte que os transformou, de adultos já no ocaso de suas vidas, em crianças aprendendo ainda as artes do amor.Marca indelével nos corações espalhados pelo mundo, o amor genuíno e mais puro desenvolve afinidades entre duas pessoas, não importando suas diferenças culturais, suas ambições pessoais e suas crenças em qualquer coisa que seja. Tais afinidades se juntam, confluindo numa única estrada, que não aceita interrupções geográficas, nem distâncias abismais. Pois há uma sólida ponte para levá-las até onde se deve chegar - no lado esquerdo do peito.Porém essa não é uma história de final feliz. Uma ponte nunca foi um lugar de chegada, nem referência para saída alguma. É apenas um meio. Uma forma de se prosseguir a vida com mais facilidade. Ela é passageira, como todas as coisas neste mundo que vai e que vem. E onde até os sentimentos mais doces têm o seu fim. Muitos finais são dolorosamente melancólicos, mas nem todos podem ser memoráveis. Os que podem, ficam retidos na lembrança como parte de um acontecimento tão importante, quanto uma ponte é para um caminho que, antes dela existir, jamais poderia ser percorrido.Um caminho que seguiria em rumos que só eles dois saberiam se valeria à pena. E essa ponte, apesar de breve, de ser um atalho para reaver todos aqueles anos perdidos nas conveniências e moralismos da vida cotidiana, exige uma escolha de todos. Ao cruzá-la, atravessando aquele limite que a própria natureza interpôs entre as pessoas, é necessário admitir pagar um certo preço. Um preço que pode advir de arrependimentos e corações quebrados. Um caminho tortuoso, que muitos não podem seguir, mesmo que isso represente esquecer os desígnios mais caros ao coração.E o coração de uma mulher é um caminho de muitas curvas e desígnios magnânimos. Guarda lembranças tão sublimes e intensas quanto dolorosas. E mesmo partido, alquebrado pelas vicissitudes de sua vida, ainda assim sempre espera pela ponte que, um dia, se estenderá pelas chagas mais profundas e por entre as lacunas que este mesmo coração não conseguiu preencher. O que passa por entre estas lacunas, abrandadas pelo tempo, é um rio caudaloso de lembranças. Ternas, afetuosas, mas um tanto impossíveis porque não havia mais ponte para ajudar a atravessá-las, prosseguindo naquele caminho tão luminoso e convidativo.Um caminho que ele tomou só. Resignado pela certeza que muitos nunca tiveram, e que poucos souberam aproveitar. A certeza de que o amor entre um homem e uma mulher é possível em qualquer circunstância, hora e lugar. Mas que seria preciso aos dois disposição para agarrar a oportunidade com unhas e dentes, pois ela é única, valiosa e fugidia. E num átimo, pode escorrer e escapar pelos dedos, se perdendo como gotas d'água num dia chuvoso qualquer. Um homem sabe reconhecer todas as oportunidades que a vida põe à seus pés. Mas nem todas lhe prestam reverências, só podendo acenar de longe, como numa espécie emudecida de adeus.Se esse caminho levaria à algum lugar especial, não se sabe. Poderia ser para um local como qualquer outro. Pode ser que ele fosse interrompido por alguma vala bem funda, uma lagoa cristalina ou até por uma refrescante cachoeira, como tantas que se vê nessas paisagens mundo afora. "As Pontes de Madison" são lindas, e valorizam cada uma das estradinhas que cortam o estado de Iowa. E quem caminha por ali, mal sabe que uma certa ponte esconde uma história assim. Tão especial que jamais será a mesma sem aquelas duas pessoas, se encontrando pela primeira vez, vindas cada uma de partes diferentes desse breve caminho que se chama Vida.

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