sábado, 2 de janeiro de 2010


Mais uma vez volto a poesia de Sophia de Mello Breyner Andersen.
Cada releitura, uma surpresa e uma descoberta.
Gostaria muito de ler uma biografia sobre ela,
não sei se há. Vou a busca e depois conto.

Encontrei uma página no jornal brasileiro "A Folha de São Paulo",
onde tem a notícia de sua morte,
e onde descubro mais desta mulher forte e apaixonda,
pela vida, pelas causas, pelo país e pela poesia.

05/07/2004 - 09h29
Sophia de Mello Breyner deu vigor à poesia sobre o homem moderno

MANUEL DA COSTA PINTO

Colunista da Folha de S.Paulo

A escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen
-que morreu na última sexta-feira em Lisboa, aos 84 anos-
pertencia à primeira geração de poetas que surgiram
à sombra incomensurável de Fernando Pessoa
e sob o impacto do grupo Presença
(que consolidou o modernismo em Portugal).
Isso equivale a dizer que a autora de livros como "Mar Novo" (58)
e "O Nome das Coisas" (77) deu continuidade e vigor
a uma poesia marcada pela indagação metafísica
sobre a condição problemática do homem moderno.
Porém, ao contrário de muitos daqueles autores,
que associavam a experiência de choque da modernidade
ao prosaísmo e ao sarcasmo,
Sophia imprimiu em sua poesia um tom mais solene,
em que o ofício da escrita equivale à busca do absoluto
-sem contudo se divorciar do mundo concreto,
mas buscando nas coisas elementares um tipo de sacralidade.
Como escreveu o crítico Eduardo Lourenço,
"quando se aproxima das coisas e avidamente procura "sempre" mais coisas,
não é apenas o real que pretende alcançar,
mas sobretudo a aliança primitiva (...),
a ordem simbólica onde esse real adquire sentido e verdade.
Entre a ordem simbólica e a aliança, a identidade é absoluta".
Nascida no Porto, contemporânea de nomes igualmente importantes
como Jorge de Sena, Eugénio Andrade, Mário Cesariny
e Alexandre O'Neil, manteve diálogo não só com Pessoa
(principalmente a partir de "Dual", de 72),
mas também com as celebrações órficas de Hölderlin e Rilke.
De certo modo, como observou a ensaísta Clara Rocha,
a obra de Sophia pode ser vista como uma longa
e fragmentária resposta ao célebre verso de Hölderlin:
"Para que poetas em tempo de indigência?".
Seus livros correspondem à busca de uma espécie de graal da linguagem,
de um mundo e um tempo utópico, fechado em si mesmo,
anterior à separação entre deuses e homens,
essência e substância, ser e ente:
"Exilamos os deuses e fomos/ exilados da nossa inteireza".
Ao mesmo tempo, por trás dessa nostalgia
de uma Idade do Ouro da poesia
há a consciência crítica que detecta
as causas do desencantamento do mundo no "capitalismo das palavras"
e nas "hidras de mil cabeças da eficácia que se avaria"
-ou seja, na transformação do homem
e da linguagem em utensílios tecnológicos.
Tal obra, entretanto, não se limita à poesia.
Além de ser autora de livros de ficção e infanto-juvenis,
Sophia também manteve um importante trabalho de reflexão
sobre a literatura, como na série de aforismos "Arte Poética",
no ensaio "O Nu na Antigüidade Clássica" ou em artigos,
como o que dedicou em 1958 à poeta Cecília Meireles
-não por acaso, a escritora brasileira que mais se aproxima
de sua procura de um lirismo essencial.
Soma-se a essa produção uma prosa que traz ecos do surrealismo,
como "Contos Exemplares", cujo título alude explicitamente
às "Novelas Exemplares" de Cervantes
e no qual encontramos parábolas sobre o embate
entre o Bem e o Mal ("O Jantar do Bispo")
ou sobre a reaparição de Cristo, que passeia despercebido
pelas ruas do Porto ("O Homem").
Esses contos representam parcela menor
na literatura de Sophia de Mello Breyner Andresen,
mas ajudam a entender, pelo tom alegórico,
o conjunto dessa obra que recebeu em 1999
o Prêmio Camões, mais importante honraria da língua portuguesa.

"Destróis todas as pistas que nos salvam
Tapas os caminhos que vão dar a casa
Cobres os vidros das janelas
Recolhes os cães para a cozinha
Soltas os lobos que saltam as cancelas
Pões guardas atentos espiando no jardim
Madrastas nas histórias inventadas
Anjos do mal voando sem ter fim
Destróis todas as pistas que nos salvam
Depois secas a água e deitas fora o pão
Tiras a esperança
Rejeitas a matriz
E quando já só restam os sinais
Convocas devagar os vendavais
Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem"


Sophia de Mello Breyner Andresen










Porto, maio/2009

Exatamente onde nasceu Sophia,
em 1919.

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