quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ENVELHECER, A ARTE!

TOSHIKO ISHII

Nasceu em Kyoto, no Japão em 17 de janeiro de 1911.
Ceramista autodidata.
Transferiu-se para o Brasil em 1931,
vindo morar em Minas Gerais em 1970,
onde começou sua atividade com cerâmica.

Inverno de 2005, Junho!

Ouvíramos falar de Toshico,
Sua arte, sua beleza, a mulher forte e tenaz.
Sabíamos da sua fragilidade física,
Da idade avançada.
Queríamos conhecê-la,
E partimos para Minas Gerais.
Visitar Toshico, conhecer sua cerâmica, sua obra,
Certamente mudou nosso olhar. (Fotos na próxima postagem)

Em 2007, morre Toshico!


Aprendizes da humildade e da beleza
OLHAR

A artista japonesa Toshiko Ishii viveu no Brasil por várias décadas,
deixando marcas na arte da cerâmica e da convivência humana
Em 30 de julho, a arte perdeu uma de suas figuras humanas mais admiráveis.
A pequena Toshiko Ishii, ceramista dona de técnica milenar,
depois de muitas décadas vivendo no Brasil, morreu aos 96 anos.
Discreta como sempre foi, apenas amigos próximos
acompanharam os últimos momentos da artista.
Além de peças de beleza única, Toshiko foi mestre de uma geração de artistas mineiros.
Em Piedade do Paraopeba, na região de Brumadinho,
Toshiko montou seu ateliê em meio às montanhas, pedras e plantas.
Toda a matéria de sua arte, todas as cores de suas peças,
toda a motivação de sua vida se dispunham à sua volta.
Toshiko trazia para a cerâmica a memória de sua gente,
as lições de seus mestres (ela conviveu com a artista Tomie Ohtake em Kioto)
e a ética exemplar de não separar a utilidade da beleza.
Em busca de suas lições, como seguindo uma tradição mística,
vários artistas seguiram seu exemplo e, num tropismo esteticamente orientado,
trataram de montar ateliês na vizinhança de Toshiko.
Foi assim que as ceramistas Inês Antonini, Erli Fantini e Adel Souki
se estabeleceram nas curvas das mesmas serras,
sob a luz do mesmo horizonte, para aprender com o ritmo das mãos de Toshiko.
Não se tratava de uma comunidade acadêmica, mas de um falanstério artístico.
As ceramistas procuraram estar perto de Toshiko,
que chegou à região em meados dos anos 1970.
Até o fim da vida, a artista nipo-brasileira falava português com dificuldade.
A comunicação, como em suas peças, se dava de alma para alma.
A proximidade com Toshiko traduzia outra via para o ensino: a ética dos mestres.
Em Grande sertão veredas, Guimarães Rosa escreveu que mestre
não é o que ensina, mas o que, de repente, aprende.
Ensinar, de certa maneira, é exercitar a dúvida em companhia de pessoas próximas.
O ensino só é possível para quem se dispõe a aprender.
A arte pedagógica de Toshiko se dava a partir dos elementos da natureza, como o barro.
Sua mestria era dar voz ao fogo.
A técnica de Toshiko exigia um forno tradicional japonês,
aparentemente frágil, mas capaz de chegar a 1.300 graus.
A alta temperatura exige atenção e cuidado.
O forno precisa ser alimentado com método e carinho.
A queima, que pode durar muitos dias, colocava a frágil Toshiko em guarda,
com suas colaboradoras, em torno dos caprichos dos elementos.
Imaginar a cerimônia de moldar as peças, escolher os pigmentos,
acender o fogo e tratá-lo como a uma criança,
aguardar a passagem das horas e se abrir à expectativa do resultado final
é entender um pouco da transmissão da arte de Toshiko.
Ela fabricava beleza como quem ensina ao mundo que é preciso tempo.
Ela ninava o tempo com zelo, como quem sabe que a beleza dá sentido à existência.
No trabalho de Toshiko, nada se perdia.
Suas obras trazem inclusive a marca das cinzas
que se desprendiam da lenha, criando texturas.
Era algo não controlável, como as cores que daí brotavam.
A artista era mestra do ofício da cerâmica
e por isso humilde a seus caprichos.
O que acrescentava de seu ao material era a humildade.
A atitude de suas alunas, que mudaram de vida
para compartilhar a proximidade com a mestra,
não deixa de ser uma de suas obras mais importantes.
A marca de Toshiko, mais que a matéria de que são feitos seus objetos,
está na sensibilidade que ela desenvolveu em torno de seu exemplo.
O calor de sua experiência moldou outros caminhos artísticos.
A arte existe, também, para criar mais arte.
Passamos todos nós a vida em busca de exemplos.
Quase sempre trocamos a rica experiência da proximidade com pessoas excelentes
pelo prazer da fruição de resultados de pessoas eficientes.
Somos escravos do sucesso.
A tradução da vida bem realizada em torno de índices materiais se tornou um absoluto,
um triste equívoco existencial.
Quase sempre os mestres não deixam nada que justifique sua vida.
Alguns livros, umas poucas peças de barro queimado, poemas e discípulos.
Quem não entende a beleza da vida consagrada ao aprendizado
jamais vai se emocionar ao ler Aristóteles confessar que sua vida
podia ser resumida assim: %u201CNasceu, trabalhou, morreu%u201D.
Os dois limites da vida são sempre solitários.
É no meio que se desenha nossa maior possibilidade de humanização:
somos seres para o outro, para a aprendizagem, para o compartilhamento.
Viver deve significar exatamente isto: o projeto de ser com o outro, a sede de comunhão.
Há muitos caminhos ensinados pela história.
Alguns deles dividem os homens em grupos
donos de verdades que não se misturam e geram ódios.
Outros parecem sorver a inclusividade como destino maior da nossa espécie.
O sentimento de fraternidade é o limite máximo
de nosso processo de construção como seres humanos.
Se a religião e a política parecem se nutrir do primeiro elemento,
que divide em nome de uma síntese arbitrária,
a arte parece carregar o condão do segundo caminho,
pois tem como projeto vencer pela beleza.
Toshiko foi aos elementos mais duros
e à tradição mais arcaica para reescrever essa história.
No caminho encontrou alunas e pessoas capazes de entender seu esforço,
respondendo à sua arte com a emoção e a seu ensinamento com a humildade.
João Paulo (Editor de Cultura/ Cunha)

3 comentários:

  1. Carmen

    Se mesmo quem não sabe nos pode ensinar, o que não conseguimos aprender com quem sabe se formos suficientemente conscientes da nosso ignorância?

    Eu tenho uma coisa escrita chamada "Esculpir o poema" que, no principio, diz "O escultor desbasta a pedra bruta para por a descoberto a beleza infinda que ela em si oculta". A poesia existe, nós só juntamos as palavras.
    Na cerâmica, a peça está num monte de barro que nos obriga a dar-lhe forma e as cores, são aquelas que de momento povoam o nosso espirito.
    O post fez-me ver a artista deixando que a sua arte tomasse forma. O resto, é como cozer pão. Nem muito, nem pouco calor. O necessário.

    Paz e Luz no seu caminho

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  2. ESCULPIR É RECORDAR......

    BEIJOS E OBRIGADA PELA VISITA....
    VOU VISITAR-TE.
    VOLTE SEMPRE.
    BEIJOS DE ALÉM MAR....

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  3. Volte depressa,Carmen.
    Está a fazer(nos) falta.
    Bj

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