domingo, 7 de junho de 2009

VIAGEM
05.06.2009

«A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: “Não há mais que ver”, sabia que não era assim. O fim da viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.»
(J.Saramago/Viagem a Portugal)

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Em momentos assim as palavras desaparecem,
talvez porque fossem outras as que desejassemos dizer.
A partida, o fim, a dor?
O que?
Onde fica o amor, a síntese,
o encontro?
Onde ficam todas as palavras ditas?
Onde ficam todos os momentos tidos?
Onde fico eu?
Onde fica o amor?
Partiu! (Carmen Bastos)














"VAZIO"

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De esperas construímos o amor

De esperas construímos o amor intenso e súbito
que encheu as tuas mãos de sol e a tua boca de beijos.
Em estranhos desencontros nos amamos.
Havia o rio mas sempre ficávamos na margem.
Eu tocava o teu peito e os teus olhos e,
nas minhas mãos,
a tarde projectava as suas grandes sombras
enquanto as gaivotas disputavam sobre a água
talvez um peixe inquieto,
algo que nunca pudemos ver.
As nossas bocas procuravam-se sempre,
ávidas e macias
E por muito tempo permaneciam assim, unidas,
Machucando-se, torturando as nossas línguas quase enlouquecidas.
Depois olhávamo-nos nos olhos
No mais profundo silêncio.
E, sem palavras,
Partíamos com as mãos docemente amarradas
e os corações estoirando uma alegria breve
Quando a noite descia apaixonada
Como o longo beijo da nossa despedida.(Joaquim Pessoa)

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