terça-feira, 9 de junho de 2009

"Não cometamos covardia em relação a nossos atos!
Não os abandonemos depois de fazê-los!
- É indecente o remorso."
Nietzsche. "Crepúsculo dos ídolos", p. 10.

"Que me faz o que já fiz? Há algo mais burro que o remorso: é o contentamento".
Valery

"Nisto, avistaram trinta ou quarenta moinhos de vento dos que há naqueles campos, e assim como D. Quixote os viu, disse ao seu escudeiro
:- A ventura vai guiando as nossas coisas melhor do que pudéramos desejar; pois vê lá, amigo Sancho Pança, aqueles trinta ou pouco mais desaforados gigantes, com os quais penso travar batalha e tirar de todos a vida, com cujos despojos começaremos a enriquecer, pois esta é boa guerra, e é grande serviço de Deus varrer tão má semente da face da terra.
- Que gigantes? - disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês - respondeu seu amo -, de longos braços, que alguns chegam a tê-los de quase duas léguas.
- Veja vossa mercê - respondeu Sancho - que aqueles que ali aparecem não são gigantes, e sim moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as asas, que, empurradas pelo vento, fazem rodar a pedra do moinho.
- Logo se vê - respondeu D. Quixote - que não és versado em coisas de aventuras: são gigantes, sim; e se tens medo aparta-te daqui, e põe-te a rezar no espaço em que vou com eles me bater em fera e desigual batalha.E, isto dizendo, deu de esporas em seu cavalo Rocinante, sem atentar às vozes que o seu escudeiro Sancho lhe dava, advertindo-lhe que sem dúvida alguma eram moinhos de vento, e não gigantes, aqueles que ia acometer.
Mas ele ia tão certo de que eram gigantes, que nem ouvia as vozes do seu escudeiro Sancho, nem via o que eram, embora já estivesse bem perto, antes ia dizendo em altas vozes:
- Non fuxades, cobardes e vis criaturas, que um só cavaleiro é este que vos acomete.
Nisto se levantou um pouce de vento, e as grandes asas começaram a girar, em vista do qual, disse D. Quixote:
- Ainda que movais mais braços que os do gigante Briaréu, haveis de pagar-me.
E, isto dizendo, e encomendando-se de todo coração à sua senhora Dulcinéia, pedindo-lhe que em tal transe o socorresse, bem coberto da sua rodela, com a lança enristada, arremeteu a todo o trote de Rocinante e investiu contra o primeiro moinho que tinha à frente; e ao lhe acertar uma lançada na asa, empurrou-a o vento com tanta fúria que fez a lança em pedaços, levando consigo cavalo e cavaleiro, que foi rodando pelo campo muito estropiado.
Acudiu Sancho Pança ao seu socorro, a todo o correr do seu asno, e ao chegar viu que não se podia mexer: tamanho fora o tombo que dera com ele Rocinante.
- Valha-me Deus! - disse Sancho.
- Eu não disse a vossa mercê que visse bem o que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e só o podia ignorar quem tivesse outros na cabeça?
- Cala, amigo Sancho - respondeu D. Quixote -, que as coisas da guerra mais que as outras estão sujeitas a contínua mudança: quanto mais que eu penso, e assim é verdade, que aquele sábio Frestão que me roubou o aposento e os livros tornou esses gigantes em moinhos, para me roubar a glória do seu vencimento, tal e tanta é a inimizade que me tem; mas, ao cabo do cabo, de pouco valerão as suas más artes contra a bondade da minha espada.
- Que Deus faça o que puder - respondeu Sancho Pança."
(D.QUIXOTE)

2 comentários:

  1. Isto é brilhante ! Todo o "blog". Vou referenciar no meu se me permites. Um Abração.

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  2. José,
    Receber teu elogio deixa-me feliz, principalmente por saber que existe eco nas minhas palavras e nas minhas emoções.
    Qual dos teus blogs posso adicionar na minha lista de blogs? É que vi vários blogs que tem teu nome e fiquei confusa; alguns são parcerias, é isso? Entretanto todos especiais.
    Abraços baianos

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