terça-feira, 18 de agosto de 2009

AINDA "CECÍLIA MEIRELES", tão viva em cada um de nós!

Definição: Concha, mas de orelha; Água, mas de lágrima;
Ar com sentimento. Brisa, viração. Da asa de uma abelha. Manuel Bandeira, sobre Cecília Meireles e sua poesia.

Cecília Meireles

"...Liberdade, essa palavraque o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."(Romanceiro da Inconfidência)

Filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles,
e de D. Matilde Benevides Meireles,
Cecília Benevides de Carvalho Meireles
nasceu em 7 de novembro de 1901,
na Tijuca, Rio de Janeiro.
Foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal.
O pai faleceu três meses antes do seu nascimento,
e sua mãe quando ainda não tinha três anos.
Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides.
Escreveria mais tarde:
"Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro,
três meses depois da morte de meu pai,
e perdi minha mãe antes dos três anos.
Essas e outras mortes ocorridas na família
acarretaram muitos contratempos materiais,
mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina,
uma tal intimidade com a Morte
que docemente aprendi essas relações
entre o Efêmero e o Eterno.(...)

Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar
nem me espantei por perder.
A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo
é o fundamento mesmo da minha personalidade.(...)
Minha infância de menina sozinha
deu-me duas coisas que parecem negativas,
e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão.
Essa foi sempre a área de minha vida.
Área mágica, onde os caleidoscópios
inventaram fabulosos mundos geométricos,
onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo,
e as bonecas o jogo do seu olhar.
Mais tarde foi nessa área que os livros se abriram,
e deixaram sair suas realidades e seus sonhos,
em combinação tão harmoniosa
que até hoje não compreendo
como se possa estabelecer uma separação
entre esses dois tempos de vida,
unidos como os fios de um pano."

"Aprendi com a primavera;
a deixar-me cortar e voltar sempre inteira".

"É mais fácil pousar os ouvidos nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra
e alcançar o rumo dos teus passos" .

Timidez

Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
— mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
— palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
— que amargamente inventei.
E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...
— e um dia me acabarei.

"De longe te hei de amar-
da tranquila distância em que o amor é saudade
e o desejo, constância".

"Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
Uma despedida pronta a cumprir-se".


Personagem

Teu nome é quase indiferente
e nem teu rosto mais me inquieta.
A arte de amar é exactamente a de se ser poeta.
Para pensar em ti,
me basta o próprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta, nutrida do enigma do instinto.
O lugar da tua presença é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa o olhar de todas as saudades.
Meus sonhos viajam rumos tristes e,
no seu profundo universo, tu, sem forma e sem nome,
existes, silêncio, obscuro, disperso.
Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência, tudo
- o espaço evita e consome: e eu só conheço a tua ausência.
Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo, me decomponho e recomponho.

Meu Sonho

Parei as águas do meu sonho
para teu rosto se mirar.
Mas só a sombra dos meus olhos
ficou por cima, a procurar...
Os pássaros da madrugada
não têm coragem de cantar,
vendo o meu sonho interminável
e a esperança do meu olhar.
Procurei-te em vão pela terra,
perto do céu, por sobre o mar.
Se não chegas nem pelo sonho,
por que insisto em te imaginar?
Quando vierem fechar meus olhos,
talvez não se deixem fechar.
Talvez pensem que o tempo volta,
e que vens, se o tempo voltar.

Canção

Nunca eu tivera querido
Dizer palavra tão louca
Bateu-me um vento na boca
E depois no teu ouvido
Levou somente a palavra
Deixou ficar o sentido
O sentido está guardado
No rosto com que te miro
Nesse perdido suspiro
Que te segue alucinado
No meu sorriso suspenso
Como um beijo malogrado
Nunca ninguém viu ninguém
Que o amor pusesse tão triste
Esta tristeza não viste
E eu sei que ela se vê bem
Só se aquele mesmo vento
Fechou teus olhos também

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