terça-feira, 10 de maio de 2011

L'Amour Fou

 O Louco Amor de Yves Saint Laurent

Yves Saint Laurent - Pierre Bergé, l'amour fou
França , 2010 - 98 min.
Documentário
Direção: Pierre Thoretton
Elenco: Yves Saint-Laurent, Pierre Bergé, Betty Catroux,
Loulou De La Falaise, Jack Lang, Frédéric Chambre,
Boujemaa Lahbali, Catherine Deneuve, Laetitia Casta

Filme melancólico, sombrio, mas de uma beleza extraordinária,
principalmente pela “preciosa” coleção de obras de arte
que YSL e Pierre Bergé possuíam e que ao lado das peças
que revolucionaram a alta costura, desfilavam sob nossos olhares.



A magnífica residência em Paris e as casas da Normandia e Marrakesh deslumbram, tanto pela arquitetura, beleza, poesia,
como pelo bom gosto da decoração, das peças de arte,
desde vasos chineses, até quadros de Matisse, Picasso, Cezanne,
Mondrian, e uma rara escultura do romeno Brancusi
Com a morte de Yves em 2008, Bergé decidiu vender a coleção.
Foi arrecadado 370 milhoes de euros, o “leilão do século”,
como ficou conhecido.


O documentário foi narrado pelo próprio Pierre Bergé,
com quem YSL viveu durante cinqüenta anos.
Existem cenas emocionantes, principalmente as do último desfile de Yves Saint Laurent (janeiro de 2002, quando ele anunciou sua aposentaria), e de seu funeral, em Paris, quando Bergé faz em público a sua declaração de amor.
É uma belíssima história de amor.
Através de Bergé, conhecemos um Ives Saint Laurent mais humano, tímido, depressivo, e com a auto estima balançada.
Entretanto era homem de enorme sensibilidade, amante das artes,
da poesia, mudando após Dior, o panorama da moda em todo o mundo.

Bergé disse à rádio France Info:

"Chanel deu liberdade às mulheres.
Yves Saint Laurent lhes deu poder".

Segue abaixo a cópia na íntegra,
do discurso de Ives Saint Laurent.


Dia 7 de janeiro de 2002, Yves Saint Laurent
anunciou em Paris o seu afastamento da moda.
A imprensa mundial foi convidada a comparecer à maison do estilista,
no número 5 da avenida Marceau, onde Saint Laurent,
com 65 anos, leu o texto abaixo:


Senhoras e Senhores,


Convidei vocês para virem hoje a esta casa a fim de lhes dar uma notícia importante, que diz respeito à minha vida pessoal e ao meu trabalho.


Eu tive a oportunidade de me tornar aos 18 anos assistente de Christian Dior, de sucedê-lo aos 21 anos e de encontrar o sucesso desde a minha primeira coleção, em 1958. Em poucos dias, serão já 44 anos desde que tudo isso começou.
Depois, eu vivi para o meu trabalho e em nome de meu trabalho.
Eu quero homenagear aqueles que me influenciaram, que me guiaram na minha atividade e me serviram de referência.
Antes de todos, Christian Dior, o meu mestre e o primeiro que me levou a descobrir os segredos e os mistérios da alta costura. Balenciaga, Schiaparelli. Chanel, claro, que me deu tantas coisas e, como se sabe, liberou as mulheres. O que me permitiu, anos mais tarde, dar a elas o poder e, de uma certa maneira, liberar a moda.


Ao abrir, em 1966, pela primeira vez no mundo, uma butique de prêt-à-porter com a marca de um grande costureiro, criando sem me referir à alta costura, tenho consciência de haver feito progredir a moda de meu tempo e de haver permitido às mulheres acederem a um universo até então reservado.


Como Chanel, sempre aceitei a cópia e me orgulho muito que as mulheres de todo o mundo vistam tailleurs-pantalons, smokings, cabans e trench-coats. Digo a mim mesmo que criei o guarda-roupa da mulher contemporânea, que participei da transformação de minha época. Eu o fiz com roupas, o que é certamente menos importante do que a música, a arquitetura, a pintura e várias outras artes, mas, seja como for, eu o fiz.


Creio que serei perdoado por contar vantagens, mas, desde há muito tempo, eu acreditei que a moda não era apenas para embelezar as mulheres, mas também para lhes dar confiança, certeza, permitir que elas se assumissem.


Sempre fui contra os fantasmas de alguns que satisfazem seu ego através da moda. Ao contrário, eu quis me colocar a serviço das mulheres. Quer dizer, servi-las. Servir seus corpos, seus gestos, suas atitudes, sua vida. Quis acompanhá-las no grande movimento de liberação que conheceu o último século.


Tive a oportunidade de criar em 1962 minha própria maison de costura. Já faz 40 anos.
Eu quero agradecer àqueles que, desde o início, tiveram confiança em mim.
Michel de Brunhof, que me conduziu até Christian Dior. Mack Robinson, que acreditou no meu destino e permitiu que eu abrisse minha maison. Richard Salomon, a quem eu devo tanto.
Como poderia esquecer os jornalistas, como John Fairchild, Carmel Snow, Diana Vreeland, Nancy White, Eugenia Sheppard, Edmonde Charles-Roux, Françoise Giroud?


Mais próximo de mim, quero agradecer a Pierre Bergé, claro, mas será que vale a pena insistir nisso? Anne-Marie Munoz, Loulou de La Falaise. É impossível para mim citar todos os Premiers e Premières de ateliê que me acompanharam desde o início. Contudo, o que eu teria feito sem eles, sem o seu grande talento, que eu gostaria de saudar? Todos os operários e operárias, cujo devotamento admirável me ajudaram tanto e aos quais quero exprimir minha profunda gratidão, como também ao conjunto dos funcionários da minha maison.


Quero agradecer às mulheres que vestiram minhas roupas, as célebres e as desconhecidas, que me foram fiéis e me deram tanta alegria.
Tenho consciência de ter feito, durante longos anos, o meu trabalho com rigor e exigência. Sem concessões. Sempre coloquei acima de tudo o respeito por esse trabalho, que não é de fato uma arte, mas que precisa de um artista para existir.
Penso que eu não traí o adolescente que mostrou os primeiros croquis a
Christian Dior com uma fé e uma convicção inquebrantáveis. Essa fé e essa convicção nunca me abandonaram.


Todo homem, para viver, precisa de fantasmas estéticos. Eu os segui, procurei, persegui. Passei por muitas angústias, às vezes por infernos. Conheci o medo e a solidão terrível, os falsos amigos que são os tranquilizantes e os estimulantes. A prisão da depressão e das casas de saúde. De tudo isso, um dia eu saí maravilhado, mas desiludido.
Marcel Proust me ensinou que "a magnífica e lamentável família dos nervosos é o sal da terra". Sem sabê-lo, eu fiz parte dessa família. É a minha. Eu não escolhi essa linha fatal, contudo é graças a ela que eu me elevei ao céu da criação, que eu me aproximei dos fabricantes do fogo, dos quais fala Rimbaud, que eu me achei, que eu compreendi que o encontro mais importante da minha vida deveria ser comigo mesmo.


Apesar de tudo, eu escolhi dizer adeus, hoje, a esse trabalho que eu tanto amei.
O próximo desfile, para o qual eu convido os senhores, em 22 de janeiro, no Centro Georges Pompidou, será em grande parte uma retrospectiva de minha obra.
Muitos de vocês já conhecem os modelos que desfilarão. Eu tenho a ingenuidade de acreditar que eles podem desafiar os ataques do tempo e assegurar seu lugar no mundo de hoje. Eles já provaram isso. Outros modelos desta saison os acompanharão.


Quero agradecer igualmente ao sr. François Pinault e manifestar a ele a minha gratidão por permitir que eu colocasse harmoniosamente um ponto final a esta maravilhosa aventura e por ter acreditado, como eu, que a alta costura desta maison deveria se interromper com minha partida.


Enfim, quero agradecer a vocês, que estão aqui, e àqueles que não estão, por terem sido fiéis aos encontros que tivemos ao longo de tantos anos. Por terem me apoiado, compreendido, amado.


Eu não os esquecerei.


(Tradução de Alcino Leite neto).


                                Ives Saint Laurent e Pierre Bergé

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