terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CELEBRATE!!!!!!!

Para os amigos de perto e os de longe, além mar!

ARTE DA CELEBRAÇÃO


A passagem de ano não deveria pedir projetos (e posteriores remorsos),
mais projetos (e mais futuros arrependimentos),
e sim abrir a portinhola de algum alívio, alguma alegria.
Mas talvez a gente goste de sofrer.


Lembrei-me agora da deliciosa historinha de um monge muito velho,
quase centenário, que num remoto mosteiro
pede a um monge bem moço que o ajude ainda uma vez
a ir à biblioteca que guarda preciosos alfarrábios.
Pela última vez, ele quer folhear uma enciclopédia ou encíclica papal,
algo assim — a princípio, o moço não entende direito.
O jovem monge instala, então,
o velhíssimo velhinho junto a uma mesa imensa,
tudo lá é muito grande e muito antigo.
Mesa de carvalho, claro.
É um aposento secreto no fundo da biblioteca,
onde só os monges iniciados entram.
O rapaz consegue o livrão,
coloca-o na mesa diante do velhíssimo velhinho e sai, dizendo:
“Qualquer coisa, toque essa sineta que eu venho acudi-lo”.
Passa-se o tempo, o jovem monge se distrai com seus afazeres,
até que se lembra: e o ancião, como estará?
Preocupa-se com o longo silêncio — será que ele morreu?
Corre até o fundo da biblioteca, até a sala secreta,
e encontra o velho monge batendo repetidamente a cabeça
no tampo da mesa:
— Mestre, o que houve? O senhor vai se machucar!
O monge centenário chora e repete certas palavras
que o moço custa a entender:
— Imagine, imagine!
A palavra de ordem, a recomendação, a essência,
não era celibate, mas celebrate! (...não era celibato, mas celebração!)
Logicamente, em inglês a coisa tem mais graça,
mas mesmo quem lê aqui há de entender:
desperdiçamos tempo, vida e energia sofrendo por bobagens,
arruinando as alegrias, ignorando afetos,
trabalhando mais do que seria necessário para a nossa dignidade,
curtindo mais o negativo do que o positivo,
quando afinal a ordem divina metafórica
é que não precisamos fazer o sacrifício do celibato,
mas celebrar a vida.
Pessoalmente, sempre acreditei
que a melhor homenagem que se faz a uma divindade,
se nela acreditamos, é celebrar — respeitando, amando,
curtindo, cuidando — a vida, a natureza, a arte, o enigma de tudo.
Mas nós, humanos, nem sempre espertos
(embora a gente se ache, e muito),
em vez de celebrar a passagem de ano,
passamos boa parte dela nos enrolando.
As providências excessivas, as compras, as comidas,
as dívidas em dezenas de prestações... Os planos.
Mas para que planos, quando o melhor é ter um só?
Ser mais feliz, mais alegre, mais amoroso, mais honrado, mais pacífico.
Mas a gente coloca aspectos prosaicos da vida acima de tudo:
perder 10 quilos, tratar melhor a sogra,
ser menos puxa-saco da sogra, da cunhada, da nora, do patrão.
Ganhar mais dinheiro,
o que nem sempre representa a conquista da felicidade
ou algo que o valha, e por aí vai.
Para um lado ou outro, para o sim ou para o não,
nessa hora nos enchemos de preocupações,
acumulamos propósitos, e nos amarguramos
porque quase todos aqueles objetivos
elencados na passagem do ano passado
não foram cumpridos (e ainda por cima a gente sabia que ia ser assim).
E daí? E daí que poderíamos aproveitar o momento
para pensar no que realmente vale a pena.
E o que vale a pena,
não importam a biografia ou a latitude, é celebrar.
Para tanto, basta que sejamos, em casa, no trabalho e na escola,
um pouquinho mais agradáveis e menos tensos.
E que, pelo menos, isso se manifeste
na forma de um abraço vindo do fundo
mais fundo do mais cansado — mas ainda amoroso e celebrante — coração.




LYA LUFT é escritora
Revista VEJA - 05 de janeiro de 2011






"A maturidade me permite: olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade, querer com mais doçura."

4 comentários:

  1. Regresso em força.
    Que bom saber.
    E o texto, lindo, tem uma sabedoria, diria Celestial.
    Um beijo, deste lado do Mar.

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  3. A passagem de ano é como qualquer outra passagem. Como um dia pro outro. Um novo ciclo de vida. Ou uma continuação. Remorsos acontecem com a mesma naturalidade com que idealizamos projetos.
    E é essa portinhola de algum alívio, a alegria que acreditamos acontecer nem que seja por um curto período de tempo.
    Não gosto de sofrer. Mas gosto de pensar que talvez esteja sofrendo; mas nem tanto!

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